Marcia Tiburi é filósofa e romancista, autora de Como conversar com um fascista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho sim. Embora eu tenha uma agenda muito pesada envolvendo aulas, congressos, eventos, eu tento começar meu dia lendo e escrevendo. Se eu não leio e não escrevo, sinto como se não tivesse comido nem respirado o dia todo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu acordo cedo, tomo café e escrevo. Quando tenho que finalizar um livro eu faço isso com atenção e sem negociação com a preguiça. Acordo entre cinco e seis horas e trabalho muito até perto do meio dia ou, caso eu esteja em férias, escrevo o tempo todo até cansar. O problema é que depois tem que reescrever (corrigir, cortar, resumir, expandir, racionalizar o processo) e aí é preciso descansar e começar tudo de novo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tenho uma agenda muito complicada, por isso, acordo muito cedo para escrever. Não tenho metas, nem gosto dessa palavra. Só tenho prazos mesmo. Eu me apresso só quando já estou com vontade de escrever outra coisa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende, quando a forma é o ensaio tudo depende de um projeto, pois os livros seguem ideias, argumentos, uma tese central a ser exposta. Quando se trata de um romance eu escrevo movida por muitos afetos e prazeres. Então, nesse caso, eu escrevo e reescrevo até chegar onde quero.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Talvez meus problemas com a escrita não sejam exatamente esses. Eu escrevo quase que compulsivamente, mas demoro muito reescrevendo e corrigindo. Uma fuga perfeita é sem volta ficou com 600 páginas, o que é péssimo, pois podia ter ficado um pouco menor e facilitado a leitura das pessoas. Eu cortei cerca de duzentas páginas antes de chegar a essa forma final. E como escrevo coisas ao mesmo tempo, tem livro que eu sei que nunca vou terminar. Há um que se chama A Fábula do Imperador Chinês que eu escrevo só pra me divertir. Ele é cheio de personagens em contextos esquisitos e imagens que apenas me agradam colecionar. Meus livros de filosofia, é verdade, eu os escrevo para outros, mas meus romances são muito o efeito de um desejo puro de escrever por escrever. Era meu esse rosto que eu entreguei em 2012 à editora Record, foi começado em 1998. Esse modo de funcionar tem mudado um pouco agora, eu ando mais madura. O que é bom e mau quando se escreve. Mas em geral, estou escrevendo porque preciso ou porque me diverte, ou porque escrevendo – seja filosofia, seja literatura – sofro menos com a vida.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Vezes incontáveis. Às vezes mostro. Necessariamente eles são revisados gramaticalmente pelo pessoal da editora.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo no computador. Acabei um romance novo há poucos dias que deve sair pela Record em junho ou julho. É muito mais fácil com o computador. Mas atualmente estou escrevendo uma história à mão. E desenhando essa história. O livro se chama Pele de Porco – ou o livro das peçonhas. É uma história de duas irmãs psicopatas que vão em busca do pai em outra cidade. Uma história meio thriller, eu diria.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Se eu pudesse dar uma explicação astrológica sem ofender, eu poderia responder essa pergunta. Não conheço quem tenha explicação pra isso. Eu venho das artes visuais, ou seja, vivo mergulhada em universos imaginários e foi assim desde criança. Escrever para mim é quase natural. Colocar fantasmagorias no papel é o que há de normal para mim.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A minha tese de doutorado não foi a coisa que eu mais gostei de escrever. Até hoje escrevi alguns ensaios de que gostei, mas sempre gosto mais do meu último livro e mais ainda do que vou escrever depois. Não sei se você leu um conjunto de três livros chamados sob o nome de Trilogia Íntima, composto de Magnólia, A Mulher de Costas e O Manto. São três livros amados por uns e odiados por outros. Eu os amo e os odeio. São trabalhos mais preocupados com a forma do que com o conteúdo. Verdade que a forma é conteúdo sedimentado, mas isso é complexo demais e agora não vem ao caso para o que quero explicar. De fato, uma literatura que se ocupa mais do conteúdo histórico e social, com as questões éticas e políticas está nesses meus dois romances: Era meu esse rosto (2013) e Uma fuga perfeita é sem volta (2016). Neles há histórias organizadas com objetivos menos estéticos, digamos assim. O livro que acabei de escrever também tem esse tipo de preocupação. Neles eu não entrei em guerra contra a linearidade como fiz nos três livros anteriores. O que eu vejo de diferente na minha literatura é o que eu chamo de “literatura selvagem”. Hoje eu me vejo menos selvagem e isso é bom e mau ao mesmo tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Essa é uma pergunta agradável de responder. Eu gostaria de escrever muitas coisas. Tenho vários projetos tanto de livros de filosofia, quanto de literatura. Há ainda essa ideia de fazer livros à mão, porque assim faço o que mais gosto na vida que é escrever e desenhar. Mas estou ainda terminando o primeiro deles. Entre as coisas que gostaria de escrever, está uma História dos sonhos. Não apenas nos meus, mas de sonhos que ouço. Gostaria de pesquisar isso, como sonham as pessoas hoje, que sonhos marcaram suas vidas e coisas assim. Gostaria também de escrever A Verdadeira História de Helena Schopenhauer. Vamos ver o que faço primeiro.