Marcia Kupstas é escritora profissional há 32 anos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende do momento. Se estou em pleno processo de escritura de um livro, é pela manhã que costumo reler o material e escrever mais. Se é uma fase de pesquisa ou re-elaboração, isso acontece durante o longo do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Atualmente eu sou mais produtiva de manhã. E às vezes, bem cedo, até antes das 6h. Mas quando as ideias “atacam”, a coisa não tem hora… já acordei de madrugada, depois de um sonho, pensando num capítulo que estava encrencado. Ou começo de manhã a escrever e perco noção da hora, fico até sem almoçar e sigo até completar o capítulo ou registrar aquela ideia. Isto, no processo de escritura. Diferencio as duas Etapas: a escritura da re-escritura. A primeira fase é emocional, intensa, às vezes meio autodestrutiva. O segundo momento é reflexivo e bastante racional; leio e releio um parágrafo, por exemplo, e refaço tudo por 3, 4 vezes… remonto capítulos, corto cenas e amplio ou diminuo a presença de um personagem.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas diárias. Há uma prévia vaga de quanto tempo levarei para escrever o livro inteiro, mas pode acontecer de agir sistematicamente, um ou dois capítulos diários ou passar uma semana ociosa e de repente concluir os capítulos em pouquíssimo tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Às vezes começo sem a pesquisa, é bom para ‘aquecer’ as ideias. Vou narrar um fato: morei 6 meses em Portugal para escrever um livro. Comecei a escrever balada dos rockeiros mortos e anjos caídos ainda no Brasil, lá por 2016. Escrevi a primeira parte, mas genericamente, “em alguma grande cidade do planeta”… Aos poucos, um país me envolveu, uma cidade me cativou. Estava a pensar nas personagens e… alguém falava em “tu” e não “você”, como seria típico no Brasil. Olhava pela janela de minha casa no bairro da Pompeia, São Paulo, e “via” os telhadinhos de Lisboa. Planejei minha vida e, em fins de 2017, fui morar seis meses em Lisboa, para escrever o livro. Tive de pesquisar a linguagem e os assuntos de interesse das personagens. Então fui a museus, shows, castelos, cidades para ver tudo com seus olhos, “da personagem” e escrever. Em certo capítulo, a protagonista, Renata, conheceria um turista inglês e se envolveria com ele. Não sabia em que local isso aconteceria; fui a Tomar, cidade onde há um convento do séc. XII e acabei usando + locais na trama… então é comum que eu tenha uma ideia geral e, ao visitar o espaço, modifique e adapte o enredo ás condições que encontrei.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Normalmente. Não fico me policiando com a crise criativa. Sei que se hoje quero passear e tomar sorvete, faço isso sem culpa, porque amanhã terei vontade de sentar ao computador. E sei também que um livro se constrói em nossa cabeça, tanto ou mais do que diante da máquina. Há uma frase que curto, que é “a mulher do escritor devia saber que, quando ele olha pela janela, ele está trabalhando”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Acho que nunca uma história está pronta da primeira vez. Registra-se uma ideia numa sentada; depois ela é polida e retrabalhada por 2, 6, 10 vezes. Cada caso é um caso. Há livros que refiz 8 ou 9 vezes, praticamente tudo. Outras histórias nascem mais ‘redondas’, mas sempre há reescritura. Gosto de mostrar o original na fase de reescritura; às vezes até peço ajuda da editora, com ‘leitor crítico’, i.e., um profissional de área ou do público-alvo para fazer comentários, então se um personagem é um jovem skatista, por exemplo, que um jovem skatista leia e me dê dicas… coisas assim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevia na máquina de escrever, agora no computador, mas a reescritura precisa do papel. Tirar cópia(s) que sempre são rabiscadas e ‘passadas a limpo’ para serem rabiscadas de novo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Impossível dizer de onde vêm ideias; é como dizer de ‘onde sai um gol’. É um time todo que conhece regras, está em boa forma física, mas é um jogador que pega a bola, vê o ângulo, momento, tem o ‘start’, pra marcar. É isto. As ideias estão no mundo; é o artista que as recolhe q cria o filme, a música, o livro, a peça.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Seria menos ansiosa. Hoje sei que o livro sai; e se não for neste ano, será no próximo. Ou não é pra seguir adiante; há ideias que nascem mortas, que não merecem continuidade ou que não vivem o momento certo pra virem à tona. Às vezes, uma ideia é retomada 5 ou 7 anos depois e tudo corre maravilhosamente; era o momento certo do livro surgir.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou “namorando’ uma ideia ligada à arqueologia brasileira… descobri recentemente sobre as ‘linhas de Nazca’ da Amazônia e daqui a dez dias viajo para o Acre, já marquei uma viagem de balão sobre as tais linhas. Planejo ainda este ano ir a Macapá conhecer a “Stonehenge brasileira”. Se isto vai dar livro, ainda não sei. Mas q por enquanto é uma trajetória e tanto para turismo, é!