Marcia Cristina Silva é autora de livros infantis e doutora em literatura brasileira.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Acordo cedo para passear com minha cachorrinha. Mas meu dia só começa mesmo depois que saio para um café na esquina. Lá, preparo minha agenda diária e semanal. Faço meus planejamentos. Estudo e leio às vezes. Passo um longo tempo tomando café comigo mesma. Este é um hábito necessário para minha criação: conversar comigo mesma. E o café tem sido um ótimo lugar para isto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Após o café volto para casa com as ideias em dia, pronta para começar a escrever ou continuar algo que já escrevia à mão no café. Trabalho bem antes do almoço e logo após o almoço. É um horário bem tranquilo para mim.
O ritual para escrita começa antes no café, mas muitas vezes inclui também desenhar um pouco antes de escrever. O desenho me coloca em outra dimensão, menos racional, mais imagética e livre. Cada vez mais venho associando o trabalho entre palavra e imagem na minha criação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro escrever todos os dias, a escrita é uma questão de sobrevivência. Mas não tenho metas. Para mim a escrita tem que ser algo que flui no seu tempo. A não ser que tenha algum projeto agendado. Neste caso sim, é preciso colocar metas. E isto não é um problema para mim. Sou muito organizada e disciplinada. Talvez por isso mesmo sinta que a escrita precisa ser trabalhada de modo mais livre. Ela me acalma e me mostra outros lados de minha personalidade. Um lado mais bagunçado, mais caótico. Mais livre.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minha pesquisa é, sobretudo, interna. Começo colhendo dados da história dentro de mim, conversando comigo mesma. Depois amplio minha pesquisa pela internet, Procuro mais sobre o assunto, consulto muito dicionário de símbolos e mitos literários. À medida que vou escrevendo continuo pesquisando, pois novos assuntos vão surgindo e precisam ser ampliados.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando me paraliso, passo para outros projetos. Tenho muitos projetos e quando um trava o melhor é passar para outro, dar um tempo para as ideias fluírem, mudar a perspectiva e ter novas ideias.
Não tenho tendência a procrastinar, quando estou num projeto trabalho bastante com muita intensidade e paixão. Por isso também não me preocupo em corresponder às expectativas alheias. O mais importante é o texto estar bom para mim.
Cada vez mais venho aprendendo a trabalhar com textos longos. Comecei com livros para crianças, escrevi uma tese e agora trabalho um romance. A ansiedade é compensada por um prazer que se prolonga. O texto passa a conviver anos conosco, vai criando cada vez mais intimidade… Depois o difícil é dar adeus ao projeto. Sentir o vazio da despedida. Uma falta de chão. Um eterno recomeçar. Isto sim é difícil. Conviver com essa angústia até iniciar outro longo projeto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tem um número certo de revisão. Têm textos que nascem quase prontos e outros não. Procuro mostrar para algumas pessoas antes de publicar os textos, mas hoje em dia, as pessoas estão com pouco tempo e muitas vezes cobram para fazer uma leitura. O que, aliás, é certo e justo. Ninguém tem obrigação de ficar lendo nossos textos de graça. Só nossas mães! Para elas é sempre um prazer! (risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro escrever no computado. Gosto de editar à medida que vou escrevendo e com o computador é muito mais prático. Há certo romantismo com a escrita à mão. Eu mesma, nos meus cafés só escrevo à mão. Mas trabalho é outra coisa. Quando o texto ganha corpo, o computador é fundamental.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Elas geralmente vêm do meu trabalho com o inconsciente. Adoro fazer terapia. Tenho grandes ideias depois e durante a análise. Para mim a escrita é sempre um processo de autoconhecimento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Fiquei certamente menos ingênua. Acreditava muito na intuição e hoje tenho mais técnica. Talvez eu dissesse para manter a mesma paixão e continuar sempre estudando. A escrita é muito mais um processo do que um fim a ser atingido. Isso eu não sabia no início.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Bem o livro que eu gostaria de ler é o romance que estou escrevendo no momento. Eu me leio à medida que vou escrevendo. E me reescrevo enquanto me leio. Como já disse é o autoconhecimento.
O projeto que eu gostaria de fazer é um livro de ensaios para um pós-doutorado que trabalhe a relação entre escrita e imagem. Espero começar em breve!