Marcelo Vicintin é escritor, autor de “As sobras de ontem” (Companhia das Letras, 2020).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal é bem normal, acho que a única coisa válida de se comentar é que levo muito tempo para conseguir começar a pensar. Sou do tipo que o corpo acorda algumas horas antes da cabeça.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Finais de tarde tendem a ser o período mais produtivo. Não tenho nenhum ritual, mas tento me isolar e desligar todos os estímulos externos como celular e mídias sociais. Às vezes, se o dia antes da escrita foi muito corrido, vinte minutos de meditação ajudam.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias, mas não consigo. Acho até bom que seja assim, porque nos dias em que não consigo escrever nada de novo, reviso o que já tinha escrito antes. O processo de deletar é tão importante quanto o de criar. O texto cresce muito em qualidade na medida em que diminui em extensão.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não começo com um roteiro muito claro. Para mim o começo de um texto é sempre uma ideia que que gostaria de trabalhar. Um tema que tem aparecido de maneira mais recorrente na minha cabeça e que gostaria de explorar comigo mesmo. Minhas notas iniciais são tentativas de criar um mundo no qual esta ou aquela ideia possa ser testada “na prática”. A partir daí, o processo de escrever a primeira linha vem de maneira bastante natural.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sofro com isso, mas imagino que sejam problemas comuns à maioria dos escritores e essa ideia me ajuda a conviver melhor com esses problemas. “Proust também deveria sofrer com isso…” É meio megalomaníaco, mas ajuda.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O tempo que passo revisando um texto é pelo menos igual ao tempo que gasto escrevendo. Às vezes maior. Acho essencial. Ter bons interlocutores para revisar e discutir o texto também me parece importantíssimo para o resultado final.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Para notas iniciais e pesquisa, sou bem analógico: muitas folhas de sulfite em branco, lápis e borracha. Mas o texto em si já nasce no Word mesmo. Acho a tecnologia fundamental para o tipo de revisão obsessiva que eu gosto de fazer.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm principalmente de dentro de mim. Para todo o resto – técnicas narrativas, referências literárias, construção de personagens, etc etc – eu me apoio em leitura e estudos. Mas as ideias centrais, essas vêm de dentro mesmo, estão mais ligadas ao meu subconsciente que a qualquer outra coisa. Mais fácil encontrar inspiração num sonho que num artigo que eu leia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Desapegue. Nenhum parágrafo é tão maravilhoso que não possa ser editado ou mesmo cortado. Quando comecei, eu tinha uma ideia um pouco ingênua sobre “a inspiração” do artista, essa coisa de não poder revisar muito porque a pulsão inicial é o que mais importa. Ainda acho essas pulsões importantíssimas para guiar o projeto de texto, mas a pulsão não está numa palavra ou em outra, isso pode e deve ser revisado sempre. Com o tempo, passei a desconfiar do primeiro instinto e em muitas vezes, vi meu texto melhorar bastante a partir dessas revisões mais desconfiadas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vontade de escrever algo mais próximo da autoficção, mas acho que será melhor escrito se eu o fizer mais velho.
Não sei o que responder sobre livros que ainda não existem. Tenho vontade de compreender muita coisa que não compreendo, mas não acho se são desejos que caibam numa breve resposta, numa entrevista.