Marcelo Torres é jornalista, especialista em jornalismo literário, autor de “O bê-á-bá de Brasília” e “Os nomes da rosa”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Até o ano passado eu tinha uma rotina fixa, porque trabalhava em repartição, era refém do relógio, tinha que bater ponto para entrar, para sair, até para comer. Hoje, contudo, como me “aposentei” (na verdade, passei a viver com uma renda mensal vinda de um fundo de pensão privado), dou-me ao luxo de só trabalhar para mim mesmo — e tenho trabalhado muito. Não uso mais relógio, não existe mais um relógio na parede para me controlar — embora às vezes precise olhar a hora no celular ou no cantinho inferior direito do computador. Minha única rotina matinal fixa, na semana, ocorre às terças e quintas — são os dias em que levo minha filha de 7 anos, a Nicole, para a natação. Nos outros dias e horas, quase todos, eu me entrego à palavra, lendo ou escrevendo. Em geral, durmo meia-noite e acordo às sete da manhã. Às vezes começo o dia com a leitura dos portais de notícia. Outras vezes retomo um texto que estava escrevendo ou um livro que estava lendo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para mim, a melhor hora para escrever é bem cedinho, a partir do raiar do dia, antes de seis da manhã. Você acorda descansado, com todo gás, e o mundo ainda está em silêncio, o ruído é muito pouco. Não possuo um ritual específico de preparação do que vou escrever. Às vezes, assim que penso em contar uma história ou escrever uma narrativa, começo a rabiscar a ideia num papel, porque se você não anota, se você não registra e deixa para mais tarde ou para o dia seguinte, aí a ideia desaparece, como o cavalo que passou selado e você não montou. Mas, no geral, não possuo um método, um ritual para seguir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não tenho método de organização, disciplina, sigo mais uma intuição, trabalho muito com improviso, uma coisa meio “de lua”. Mas leio e/ou escrevo todos os dias, de domingo a domingo, ao menos seis horas por dia. Tem dia que é só leitura, dia só de escrita, mas o mais comum é mesclar leitura e escrita num mesmo dia. Como disse antes, não sou nem disciplinado nem organizado, então às vezes levo muito tempo em leitura, em pesquisa sobre a cena, sobre as características do personagem, por exemplo. O ideal era que tivesse, sim, uma meta diária de escrita, já ouvi muito escritores dizerem isso, mas eu não dou conta, não consigo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O que mais acontece é o seguinte: surge a ideia de um texto e eu anoto (se tiver papel na hora, escrevo no papel; se não tiver, escrevo no bloco de notas no celular). Às vezes já crio uma frase inicial, que nunca permanece até o fim, sempre vai mudando, mas me serve como arranque, serve como empurrão. Mas o que mais faço é anotar a ideia e escrever uns tópicos, uns pontos a serem explorados, algumas possíveis fontes de pesquisa. É a ideia que vem depois que você vê um fato na rua, ouve um diálogo no elevador, lê uma notícia no jornal. Às vezes a ideia surge a partir de um conto ou crônica ou romance que estou lendo. Mas a maior dificuldade que enfrento é o início, ou seja, após tomadas as notas, como começar o texto? Eu faço e refaço o início dezenas de vezes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em todo e qualquer projeto eu vivo essas coisas — as travas, o medo, a ansiedade —, parece que elas, quando aparecem, só aparecem juntas. Confesso que sinto muita insegurança, muita angústia, fico pensando no texto o dia todo, às vezes sonho com ele, tenho pesadelos. Já comecei e parei diversos projetos literários, alguns deles esquecidos para sempre, mas muitos ficam guardados numa pasta do computador, um dia eu volto a eles e… quem sabe.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu refaço o texto dezenas de vezes. Leio-o em voz alta e vou mexendo. Quando acho que já está razoável, aí eu o envio por e-mail para amigos, parentes, escritores e colegas que fizeram oficina literária comigo. Uma meia-dúzia responde, diz o que achou, sugere, critica, elogia, faz observações. Na maioria das vezes, a partir da opinião desses leitores, eu vou ajustando o texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo muito pouco à mão, e mesmo assim é porque, na hora, não disponho de um computador. Às vezes, quando estou na rua, ou longe do computador, recorro ao bloco de notas do celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Meu conjunto de hábitos é o de ler, ver, ouvir. E prestar atenção nas coisas ao redor: o cartaz colado no poste (“trago a pessoa amada em três dias”), o pardal que pousou na janela; o tique-taque do relógio na parede; o cadeirante que pede dinheiro no semáforo; o almoço da família no domingo; um anúncio nos classificados de jornal. A ideia pode surgir de um acidente de trânsito, de uma briga na rua, de um diálogo ouvido no elevador, de uma notícia lida no jornal, de uma conversa escutada em mesa de bar, de uma história contada pelo porteiro. Outra fonte infinita de ideias é a leitura de contos e romances, que parecem nos convidar, nos desafiar a escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se eu pudesse voltar ao início, eu não escreveria os textos que escrevi — escrevi muita crônica de besteirol, de humor pelo humor; e escrevi contos que, olhando hoje, não eram contos. Como sou jornalista, meu texto esteve sempre impregnado da objetividade jornalística, da explicação (“Ele é acusado de crime culposo, aquele em que não há a intenção de matar”). Em contato com escritores, em oficinas literárias, em grupos de leitura e também em releituras de clássicos, tenho buscado melhorar meu texto. Eu ainda me considero um projeto de escritor, porque ainda tenho muita água para remar. De minha autoria, só dois livros possuem ISBN e são registrados na Biblioteca Nacional, embora esteja também em duas antologias de conto e tenha um outro livro — “O fuxico” (crônicas — que não tem registro, foi feito de modo artesanal, para consumo restrito entre amigos, com tiragem esgotada de 200 exemplares.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como disse antes, tenho muitos projetos guardados, esperando o tempo, se é que existe o tempo. No momento, na verdade há dois anos, estou trabalhando um projeto de romance, que está meio empacado, mas não vou desistir dele. O livro que gostaria de ler e não existe é um romance épico ambientado nas obras da construção de Brasília, que é um fato singular na história do Brasil — e do mundo.