Marcelo Torres é escritor, autor de “Poemas tímidos e gelatinosos” (Patuá, 2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Início meu dia sempre tomando um banho para me livrar da poeira da madrugada e dos sonhos que não lembro. Logo após me troco, tomo meu café e leio durante uma 01h30, antes de começar no trabalho formal; sempre leio também uns três poemas de manhã por pura necessidade e resistência a vida ordinária.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sou de rituais para escrever, gosto de ter uma garrafa de vinho do lado e escrevo geralmente após as 23h00. Sou de rascunhar a mão e isso faço durante o dia, a noite reúno as anotações e fico totalmente focado na produção dos textos que venho criando, geralmente penso um livro e estabeleço um projeto sem grandes formalidades e mapeamento prévio, deixo fluir a escrita de acordo com as esferas que abrimos quando nos defrontamos com o texto literário.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta alguma de escrita diária, mas tento escrever todos os dias pelo exercício contínuo do pensar, elaborar e organizar as ideias, mas acabo tendo alguns períodos de mais intensidade, que às vezes duram seis meses, sete, depende muito de cada livro. Sou muito tranquilo em relação aos processos de escrita, sempre respeito o que ela me diz, sempre confio na articulação que é estabelecida entre o ato de escrever e o de pulsação criativa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre parto de muita leitura e pesquisa, utilizando minhas anotações, meus mapas mentais estéticos. Não tenho muita dificuldade em iniciar, pois sempre parto de um estado de imersão onde a própria narrativa ou poema me convidam para bailar, sou desses poetas e escritores libidinosos que não recusam uma dança com a palavra, com o inesperado, com aquilo que não domamos, mas que queremos ao nosso lado. Todo meu processo de escrita é acompanhado pela as leituras, as vozes que surgem de fora, do dia a dia, da busca de uma voz pessoal tensionada até o limite pela proposta de cada conjunto de textos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com as travas não brigo, quando ocorre algum bloqueio ou estado de procrastinação deixo rolar, procuro fazer outras coisas como ler muito, transar, conversar com os amigos, beber vinho, ver filmes, ouvir música, me envolver em coisas prazerosas que fazem parte da rotina. Não tenho problema com a expectativa, porque não escrevo para agradar leitores, geralmente nem penso neles no processo de escrita, me concentro de verdade em tentar fazer boa literatura, tentar extrair o máximo de potência de cada poema ou conto. Sobre a extensão dos projetos; adoro projetos longos que duram estações inteiras, me fazem sentir que estou mais vivo do que nunca, pois toda solicitação a uma participação que seja criativa, rizomática com o outro, com a natureza, com a feiura e a beleza das coisas me interessam profundamente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Isso de revisão não tem um número exato, detesto revisar, faço porque tenho uma escrita rápida, que é realizada sempre em jorros, por isso revisar se torna essencial, creio que reviso umas duas vezes no máximo. Mostro com o maior prazer os textos inéditos, gosto das opiniões, tenho meus parceiros literários e de vida que peço para ler. Acho que um poeta/escritor não tem que ter pudor com o seu próprio texto, é importante ofertar ele para o olhar do outro.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto da tecnologia, acho que agiliza muita coisa, mas também tenho um pé atrás em seu uso, tento equilibrar o uso das ferramentas digitais e das redes para não interferir na vida de forma muito profunda. Escrevo muitos rascunhos e poemas à mão, mas a grande maioria dos textos escrevo diretamente no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm principalmente das leituras e da vida, dos acontecimentos existenciais e experimentais que me proponho a realizar. Creio que é um conjunto difícil de estabelecer esse de alimentar a criatividade. Sou muito influenciado pela literatura, pela filosofia, história, pelas questões ecológicas, pela vida nas periferias de São Paulo, pela música, cinema, artes visuais, teatro, dança, tudo faz parte de uma rede que vou tecendo lentamente sem muitos planos. A única exigência é estar aberto para o inusitado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que a principal mudança foi estabelecer como espaço a ser explorado a junção entre escrita e experiências poéticas libertárias de forma mais incisiva, construindo assim uma narrativa onde não existe diferenciação entre a escrita e o corpo, ambos se encontram na narrativa, no entendimento de ter um corpo de poeta, que se articula de forma inteira para a experiência, seja ela qual for. Se pudesse voltar à escrita dos meus primeiros livros diria: “Você poderia ter sido menos medroso, ter enfiado o pé na jaca mais cedo”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho dois projetos de romance, com anotações, construção de personagens e etc… Que gostaria de viabilizar nos próximos anos. Todos os livros que gostaria de ler existem, por isso irei citar alguns que ainda não li e estão no meu radar: Herta Müller, Mikhail Afanásievitch Bulgákov, Manoel Herzog (Poeta e escritor de Santos), Robert Frost e Anne Sexton.