Marcelo Silva é professor, preto e poeta, um ativista do erro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo com café. Não, na verdade começo com música, depois vem o café. Depois, na mesa da cozinha, sento e escrevo à mão, sempre à mão.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que pela manhã me concentro melhor, mas qualquer hora é hora, nos intervalos também. Escrevo aleatoriamente o que vejo, frases, imagens que surgem. Não tenho nenhum filtro nesse momento e a partir disso vou desenhando alguma coisa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não metas, mas escrevo todos os dias, nem que seja uma palavra só. E escrevo porque gosto, não há nenhuma imposição.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não faço lá muitas pesquisas, vou escrevendo até sentir que é suficiente, que existe algo ali, um espectro de um poema ou outro texto. Depois vou gestando, reescrevendo, cortando, acrescentando.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Confesso que não tenho muitas travas e também não sou muito da inspiração. Algumas coisas surgem quase prontas, todavia, acredito em estar sempre em contato com a escrita, com o fazer poético, pensar sobre. Não penso que a escrita é apenas o ato de escrever, ou que a motivação, no sentido de inspiração, venha apenas dos textos. Tenho uma relação imensa com a música, sobretudo instrumental, ali está cheio de vozes, de textos. Caminhar pela rua, caminhar muito, é um tipo de escrita, há muitos textos ali.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o suficiente, que pode ser muitas vezes ou quase nenhuma. Nunca paro de mexer neles e também não tenho medo de entregar aquilo que é, afobação ou pressa. Não tenho muitos pudores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre à mão, sempre à mão. Gosto de rascunho, preciso disso que me parece mais orgânico. Minha letra é garranchuda, nervosa. Tem uma energia que é liberada naquele rabisco.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Elas vêm do estar no mundo, refletir sobre essa experiência, observar, agir. Vêm do corpo, do que ele sente. Leio muito, leio de tudo. Leio muita poesia, o que eu gosto e não gosto – não me violento, é claro. Mas procuro ler textos poéticos diversos para não ficar preso numa espécie de armadilha. Música, volto a repetir, é importante demais no meu processo. Escuto música da hora em que acordo até a hora de dormir – e durmo pouco, então escuto muita música. Eu queria escrever como o Thelonious Monk tocava piano.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou bastante, ainda bem. Consigo chegar mais perto do impulso inicial, ao mesmo tempo em que ele se torna mais autônomo lá no fim, algo diverso, surpreendente às vezes. Eu diria para o Marcelo para que escrevesse muito mais, muito mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu já tentei aprender a tocar trompete e não fui muito longe, senti bastante dificuldade. Ainda tenho o desejo. Transformar algumas ideias em filme também me atrai. Existe tanta coisa que não li ainda, que nem conheço, mas existe. Eu gostaria é de tempo e olhos para ler tudo que há.