Marcelo Reis de Mello é poeta, autor de Esculpir a Luz (2010), Violens (2016), Elefantes dentro de um sussurro (2017) e José mergulha para sempre na piscina azul (no prelo).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Botando água pra ferver. Tomo café e levo as crianças pra escola. Depois vou caminhar e fazer exercício, depende do clima. Se estiver sol e eu tiver mais tempo, vou ao Leme dar um mergulho. Morando na Zona Norte, isso nem sempre é possível.
Acho cada vez mais bonito ter uma rotina, mas não sou do tipo obsessivo. O Roland Barthes sentava sempre no mesmo café e tomava um Ristretto para começar o dia. Eu não. Mas fico com inveja. E fico com a ideia de um filósofo alemão de que antes de pensar é preciso caminhar, botar o corpo em movimento.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo melhor de dia. Faço quase tudo melhor de dia. Preciso só de uma xícara de café e de boa iluminação. Claro que, no perrengue, escreve-se à noite e na chuva e correndo da polícia.
Lembro do John Lennon falando (ou seria alguém me contando do John Lennon falando?) que ele era músico e que por isso poderia tocar ou tirar sons de qualquer instrumento. Não tenho certeza, mas acho que escritor (não o especialista: o romancista, o poeta, o contista…) é quem escreve ao mesmo tempo amadora e profissionalmente, ou seja, esta figura que vê na escrita um fundamento para existir. O escritor mesmo sabe que a escrita vai muito além, inclusive, do alfabeto perturbado. Os nossos gestos mais corriqueiros são ou podem se tornar escrita. E não existe essa coisa etnocêntrica de povo ou sujeito “ágrafo”. Grafar é inscrever, sulcar, deixar rastro. É produzir um ritmo… E isso todo mundo faz.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo o tempo todo. É uma das coisas que eu preciso fazer. Mas nem sempre é poesia, um texto “elevado” segundo a nossa sensibilidade. E claro, há períodos em que enfrentamos projetos. O meu José mergulha para sempre na piscina azul (a sair pela Garupa) foi escrito num período curto e num momento bem crítico da minha cabeça.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que para quem vive de escrever, o tempo todo da vida é tempo de pesquisa. Viver é tomar nota. E escrever não é necessariamente organizá-las.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Felizmente não escrevo romances de sucesso. E infelizmente. Tenho poucos seguidores no Instagram. E quando escrevo algo sério na rede recebo sete curtidas. É fácil lidar com o peso. E procrastino tudo, sempre que posso. Às vezes dá ruim.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Aí aparece o obsessivo. Eu sofro de ecolalia. É leve, nem todo mundo percebe, mas eu repito tudo que falo em voz alta com um movimento de língua e lábios. Acho que estou revisando o que acabei de falar. Sou muito chato com isso, reviso a coisa incessantemente até não conseguir mais olhar pra ela. E gosto de mostrar para gente em quem confio. O Eduardo Coelho veio tomar um vinho aqui em casa há algumas semanas e trouxe o José mergulha (…) todo anotado, um cuidado imenso que me ajudou muito na compreensão de aspectos do livro. Não somos os melhores leitores do que escrevemos, definitivamente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende. Gosto de escrever à mão, carrego cadernos comigo. Mas hoje predomina o computador, inclusive nos rascunhos. Em mesa de bar até o telefone serve para anotar alguma ideia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A única coisa que eu cultivo é o espanto. Com espanto escreve-se. Sem espanto não. Aliás, pra viver é preciso espanto. Tem gente que só carrega uma carcaça de 70 quilos pra lá e pra cá, sem se encantar com nada. Muitas vezes viram escritores também, mas é fácil identificar que estão mortos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muito. No sentido de transformação, de mudança, mas também no sentido de calar, de emudecer. No início a gente acha que escreve a si, depois vê que se escreve. Hoje sou mais humilde diante da escrita, sei que vou perder. Mas não diria nada ao Marcelinho metido a poeta. Deixa o menino.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Investir no fisiculturismo e na patafísica. Trocar a academia de letras pela de ginástica. E o instituto de física pelo de patafísica. O mundo precisa de músculos modelados e de uma verdadeira cosmogonia. Todo mundo sabe que este ambiente literário é um ambiente de droga. Então hoje a vanguarda é malhar, e açaí com banana. Quero ler um livro que explique porquê de tanto xarope de guaraná na poesia.