Marcelo Pereira é professor de História, mestre em História Social do Trabalho pela Unicamp.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa a todo vapor. Sigo bem cedo para a escola na qual leciono a disciplina de História para crianças de 10 e 11 anos. Minha rotina de trabalho é ler, conversar e escrever junto dessas crianças. E todo dia é um grande aprendizado. Em casa, sozinho, retomo as atividades mais teóricas de produção pedagógica e acadêmica, bem como de escrita de poesias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto das tardes. Preciso estar sozinho e rodeado de um relativo silêncio para iniciar minhas atividades de escrita. Além disso, não consigo começar a organizar meus pensamentos se o ambiente no qual me encontro estiver desorganizado e visualmente confuso. Há, em mim, uma profunda conexão entre a exterioridade das coisas e a minha própria interioridade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não me coloco nenhuma regra ou obrigação para produzir um pouco todos os dias. Assim, muitas vezes, me vejo mergulhado em períodos concentrados, inundados de fazeres. Gostaria de ter um pouco de mais de disciplina quanto a isso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Registro minhas pesquisas em pequenos rascunhos nos quais destaco aspectos importantes a serem abordados na produção escrita final. Demoro muito anotando artesanalmente (caneta) tudo aquilo que considero relevante; portanto meu processo de pesquisa é lento e penoso. Porém, isso acaba por favorecer o processo de produção da escrita final do texto. Meus registros rascunhados são uma espécie de pré-texto, de pré-escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sofro muito com projetos muito longos. No início do projeto produzo insanamente e me mergulho no processo de fazer o máximo possível. Em seguida, vem um período de vazio, como se tudo que eu tinha para dizer já estivesse dito, finalizado. Isso, às vezes, gera um stress difícil de ser controlado para encarar o resto do processo de trabalho. Sinto que preciso organizar melhor meu tempo de trabalho cotidiano e os prazos de finalização dos projetos. Aprender a guardar as ideias e a energia para desenvolvê-las ao longo do projeto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Essa história da revisão dos textos é sempre muito dolorosa. Faça inúmeras releituras, procurando enxugar melhor as ideias, cortar excessos do texto, corrigir eventuais erros gramaticais. Depois disso, antes de publicá-los, sempre peço a opinião de alguns “anjos da escrita” que me acompanham e me iluminam.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A tecnologia me ajuda muito pouco. Às vezes, penso que viveria melhor sem ela (rsrs). Demorei muito para escrever direto no computador. Sempre preferi o papel e a caneta, mas a rotina de trabalho, acelerada e insana, vai exigindo uma adequação normatizada aos meios tecnológicos disponíveis. Mesmo assim, muitas vezes, resisto fazendo uso dos meus rascunhos escritos direto em papel. Por exemplo, se estiver num bar e aparecer uma inspiração para um poema, registrarei os versos no guardanapo de papel e nem lembrarei que tenho um celular para digitar. Saio do bar com o guardanapo e os versos guardados no bolso da calça ou dentro da carteira.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm da vida, do modo de vida cotidiano. Cultivo hábitos de fazer uso constante dos aparelhos culturais da minha cidade. Ando muito pela cidade, diariamente; às vezes mais de 10 km, e no percurso, paro em museus, centros culturais, teatros, bares, cinemas, livrarias, cafés. Viver a cidade e a produção que nela existe, me alimenta para compor minha imaginação e criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sinto que minha escrita foi se tornando mais leve, mais objetiva. Vivo uma permanente luta interna para escrever muito, porém apenas o essencial e necessário. Mas sei que ainda tenho resquícios de uma escrita deveras rebuscada e prolixa. Quando leio meus primeiros textos, coloco-me a seguinte pergunta: por que você precisava de tantas páginas para dizer tão pouco? (rsrs)
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um projeto, ainda muito inicial, que é andar pela cidade fotografando os seus inúmeros grafites. E desses grafites fazer nascer meus versos, poetizando as imagens da cidade. Seria uma espécie de conversa entre as linguagens visual e poética. Uma espécie de reflexão das paixões e dos desejos que nos circundam na cidade.
Queria ler um livro que contasse a derrocada do desgoverno Bolsonaro e que mostrasse o florescimento de uma nova sociedade, mais justa, mais solidária, mais plural, muito mais poética e criativa.