Marcelo Moutinho é escritor e jornalista, autor de “Ferrugem” (2017), “Na dobra do dia” (2015), “A palavra ausente” (2011) e “Somos todos iguais nesta noite” (2006).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Em geral, dou mamadeira e coloco roupa na Lia, minha filha, e depois levo ela até o transporte para a creche. Depois disso, vou pedalar ou dar uma corrida, e então ler o jornal. Ao fim da manhã, chego no trabalho. Como se pode ver, a parte da escrita – seja a jornalística ou a ficcional – fica para os outros turnos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
No fim da manhã, quando o corpo já deixou a cama para trás, ou à noite. Gosto de escrever acompanhado de uma xícara de café.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito. Quando estou trabalhando num conto, quase sempre me debruço sobre a história por dias seguidos. Nas demais situações, o mergulho é mais esparso. Não tenho meta diária, não.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O começo, com raras exceções, é o mais difícil. Encontrar a embocadura da narrativa, a frase que traga certa verve ao princípio da história. Depois disso vem o que eu chamo de “copião”, ou seja, a estrutura de enredo. O período mais prazeroso, no meu caso, é o de burilamento do texto e da trama. O corte de palavras que sejam excessivas, a busca pelo termo preciso, a preocupação em sempre deixar um espaço a ser preenchido pelo leitor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Talvez pelo ofício de jornalista, que se soma ao de escritor, não costumo ter problemas com essas travas. Quando há trava, o prazo para entrega se encarrega de desfazê-la. Acho que, mesmo no caso de escritores experientes, cada novo livro traz certa expectativa cobre como será a reação dos leitores. Isso, no entanto, não pode ser paralisante. Quanto a projetos longos, meus livros é que dizem o tempo deles. À medida que escrevo os contos, é como se a obra se fizesse, ditasse seu ritmo e mesmo seu tema.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso incontáveis vezes. Não apenas para achar impropriedades, incorreções, mas também para chegar ao melhor ritmo. A narrativa curta, assim como a poesia, precisa dessa preocupação com o ritmo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No computador. Notas sobre a ideia, frases esparsas, apontamentos de enredo muitas vezes são feitos à mão, em cadernos ou mesmo num guardanapo. Mas a escrita do conto ou da crônica em si é sempre no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm de todos os lados. De uma canção, de um filme, de uma conversa, de uma saudade. Mas meu único hábito para cultivar a criatividade é caminhar. A rua é um manancial simbólico de ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Acho que, como diz o flanelinha ao motorista que estaciona, passei a deixar o carro solto. Quer dizer: buscar um texto mais fluido, menos empolado. Uma narrativa sem freio de mão puxado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de trabalhar, em parceria, numa adaptação do meu livro “Ferrugem” para o cinema. O projeto de um longa, na linha do que o diretor Robert Altman fez com os contos de Raymond Carver em “Short cuts”. Quem sabe não rola um dia? Sobre o livro que gostaria de ler e ainda não existe, se eu soubesse qual é, eu mesmo escreveria.