Marcelo Montenegro é poeta e roteirista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Faço café, acordo meus filhos e minha mulher. Quando todos saem pra escola e/ou para o trabalho, ligo o computador.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor de manhã. E não me sento pra escrever, ou melhor, não existo antes de fumar o primeiro cigarro do dia.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Na criação de séries de ficção pra TV, que é o que faço mais em termos profissionais, precisa incluir na escrita a fase de desenvolvimento também: reuniões geralmente diárias com os demais roteiristas pra levantar quais e como serão os personagens, que situações vão viver, o arco dramático de cada um e o da temporada como um todo, que vai evoluindo pra divisão da história em episódios, enfim, uma engenharia complexa. Quanto à poesia, os mergulhos maiores tendem a se concentrar quando estou nessa fase de criação das séries. A fase de escrita de sinopses e escaletas, e sobretudo dos roteiros, deixa pouquíssimo tempo para outras coisas. Mesmo assim acabo sempre mexendo um pouco nos poemas em que estou trabalhando. Então, respondendo à sua pergunta, é o dia inteiro não só escrevendo como raciocinando em termos de narrativa, de linguagem, tendo ideias de cenas, versos, diálogos, o cérebro não para, é uma desgraça. (risos)
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É tudo meio ao mesmo tempo. Até porque um escritor vive – de um ponto de vista mais geral e com o perdão do lugar comum – em estado permanente de pesquisa. Na TV e no cinema, a depender da história que você vai contar, necessita também uma “pesquisa mesmo”: se uma de suas personagens é médica, você precisa entender como é a vida de uma médica; a série que estou fazendo agora, por exemplo, se passa em um período específico da história do Brasil. Etc. Já a poesia – ao menos pra mim – é uma forma menos de comunicar do que de descobrir, de acessar algo. Ou seja, a escrita já é a pesquisa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sobre não corresponder às expectativas – no caso da poesia, as minhas; no caso da TV, as minhas somadas às das outras pessoas presentes no processo (direção, produção, atores e atrizes, o canal, o espectador) – tenho esse medo sempre. Não medo exatamente, é mais um estado de não acomodação –“de quem por incapaz do vago/ quer de toda forma evitá-lo”, diria João Cabral de Melo Neto. E quando se escreve por muitas horas seguidas com o nível de detalhe que você tem que lidar, sobretudo nas versões finais dos roteiros, quando eles estão perto de serem filmados, chega um momento em que o cérebro frita, normal. Você deita um pouco, vai dar uma volta, lava a louça, sei lá – aí depende de cada um. E outra: ao contrário da poesia – em que tudo vai se compondo muito lentamente –, a TV – o cinema também, mas principalmente a TV – é uma indústria, tem prazo. Não digo que isso eliminou as angústias de praxe, longe disso; mas escrever profissionalmente tira qualquer tipo, com o perdão da palavra, de “frescura” da equação. Te dá um senso de praticidade, disciplina. No meu caso, também duas tendinites e uma hérnia de disco. (risos)
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Poesia – e também letras de canção para amigas e amigos músicos, que tenho feito cada vez mais e adoro – eu sempre mostro pra minha mulher antes. Às vezes algum diálogo ou alguma cena específica de um roteiro também. E reviso e reescrevo patologicamente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
À mão eu só anoto, não vivo sem caderninho. Escrever, no computador direto. Mas jamais concluo um roteiro – e mesmo um poema, ou algum texto para jornal ou revista – sem passar ao menos por uma impressão no papel (às vezes mais de uma). Aí leio, rabisco, faço setinhas, reposiciono, adiciono, corto, corto, corto. E volto para o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vêm de todo lugar, de tudo. Como diria Itamar Assumpção: “basta estar vivo pra correr perigo”. Enfim, meio aquilo que eu disse antes, sobre pesquisa permanente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Antes escrevia mais à noite, de madrugada. Mas isso mudou depois de ter filhos. Sabe quando um time vai jogar no Japão e os jogadores precisam de um tempo para se adaptarem à mudança de fuso horário? Costumo brincar que ter filhos foi como ter me mudado para o Japão. (risos) Mas foi uma descoberta, é uma maravilha escrever de manhã.
E puts, o que diria a mim mesmo? Talvez algo próximo à resposta famosa do Nelson Rodrigues, quando perguntado se tinha algum conselho aos jovens: envelheçam.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu próximo poema e o meu próximo filme ou episódio de série são os textos que vou gostar de fazer, quando os estiver fazendo. Está na minha lista escrever um romance também.
Quanto à segunda parte da pergunta, provavelmente esse livro já exista, não? Eu que ainda não o conheço. Mas deixo um trecho de uma das “Prosas apátridas” do grande escritor peruano Julio Ramón Rybeiro: “Imaginar um livro que seja da primeira à última página um manual de sabedoria, uma fonte de alegria, uma caixa de surpresas, um guia de conduta, um presente para os estetas, um enigma para os críticos, um consolo para os infelizes e uma arma para os impacientes. Por que não escrevê-lo? Sim, mas como? E para quê?”