Marcelo Martins Silva é escritor e professor de Língua Portuguesa e Literatura da EJA, autor de “A Matéria Inacabada das Coisas” (Diadorim, 2020).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Agora com a pandemia, trabalhando em casa, foi possível estabelecer, ou tentar, uma rotina que envolve a escrita. Porém, basicamente, começo meu dia com música, depois vou me organizando.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosta da manhã, prefiro escrever pela manhã, ainda que não o faça exclusivamente nesse turno. A luz da manhã tem algo especial, uma energia fresca, é mais amena, mais próxima do sonho.
Não tenho nenhum ritual, apenas tomo café, sigo escutando música e sento para escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta diárias de escrita. Escrevo todos os dias porque gosto, em alguns dias bem pouco, outros mais, porém diariamente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca fiz nenhum projeto que envolvesse uma pesquisa sistematizada ou profunda. Consulto quando necessário algum assunto. Até agora escrevi mais poesia do que prosa e o fiz sem ter um projeto prévio na cabeça.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não me forço a entrar num determinado modo de produção de escrita, ele é fluído e envolve certa desorganização também. Até hoje não tive bloqueios de escrita ou criativos. Às vezes é só preguiça mesmo. Todavia, trabalhei em poucos projetos longos. Recentemente escrevi uma novela curta de dez capítulos – Mil Manhãs Semelhantes, para a Revista Parêntese. Os capítulos eram publicados semanalmente e fui escrevendo também nesse ritmo, então tinha esse compromisso de entregar o capítulo num dia determinado. Foi uma experiência muito boa porque eu tinha esses dias para colher ideias, fazer anotações e trocar algumas impressões com que vinha lendo a novela. Quando chegava a hora de sentar e escrever o texto fluía bem. Penso que esse pode ser um bom modo – prazos semanais, de escrever projetos mais longos. Quanto a corresponder às expectativas não tenho muitas preocupações, tento garantir que fiz o melhor e se o texto me agrada é um indicativo de que estou no caminho certo. Claro que sou criterioso em relação ao meu trabalho, mas não me prendo às expectativas alheias.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
É também um processo. Reviso bastante, não possuo um número determinado, mostro para algumas pessoas, trocamos impressões, depois vem o trabalho do editor, da revisão. Mexo novamente, mas sinto que esse processo também pode entrar numa espécie de moto contínuo se ficar em cima dele excessivamente, inclusive turva o senso crítico. Em algum momento sinto que é aquilo, está pronto. É uma questão de perspectiva também, olho para o livro que publiquei em 2019 e hoje retiraria alguns poemas, encontraria outras soluções, utilizaria outros recursos. Contudo, entendo aquele momento, o contexto, e sigo escrevendo, adquirindo novas experiências, me modificando com o movimento dos dias.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os primeiros rascunhos sempre à mão. Não tenho nada contra o computador. Escrevo à mão porque o papel e caneta estão ali, sempre perto, me rodando. Gosto de ver a minha letra – que é terrível, um garrancho, no papel. Tem algo de orgânico, como se eu, de fato, materializasse o que estou pensando e sentindo. Depois de algumas versões passo para o papel. Na prosa funciona um pouco diferente, escrevo ideias, parágrafos à mão, depois vou desenvolvendo o texto no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias estão aí, nas pessoas, nas conversas, nos filmes, na música, no mundo em movimento. Então eu observo a vida, leio muito, ouço muita música, paro, sinto. E isso tudo se mistura, se condensa e ressurge em algum momento a partir de um estímulo externo como olhar uma nuvem, associar a uma música e criar uma nova imagem nova desse encontro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A escrita mudou porque vamos mudando constantemente. Hoje acho que consigo me distanciar do texto, olhar ele mais como um ser da linguagem, trabalhar a forma, ou tentar, com o mesmo rigor do que o conteúdo. Também fui tendo contato cada vez mais com diferentes textos, escritores, e passei a fazer leituras sob outra perspectiva. Acho que como escritor a gente deve estudar sobre o nosso fazer sempre.
Não diria nada, não faria nada diferente, esse foi o meu caminho, de vida e de escrita, uma coisa se reflete na outra.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que ainda não fiz, mas farei certamente, é escrever um romance. Já escrevi alguns contos, inclusive meu último livro de poesia – A Matéria Inacabada das Coisas, abre com um conto, então faz um tempinho que tenho vontade de escrever mais prosa e a oportunidade de ter escrito a novela reforçou o desejo.
Não consigo imaginar esse livro que eu gostaria de ler e ainda não existe. Acho que ele já existe, eu é que ainda não li.