Marcelo Maluf é escritor e professor de criação literária, autor do romance A Imensidão Íntima dos Carneiros (2015), vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia limpando a caixa higiênica dos gatos; o que me dá um sentido e um propósito. Depois vou varrer a frente da casa; o que me dá um sentido e um propósito. Às vezes, caminho no parque da Aclimação a fim de baixar o colesterol (LDL) genético. Há dez anos que tento meditar pela manhã, mas não consigo. Tomo banho e café e me sento para trabalhar às 9h. Lendo o que acabei de escrever me sinto até orgulhoso de mim mesmo. No entanto, as coisas não saem tão corretas desse jeito. Há uma coisa chamada tempo, e ele nem sempre cumpre os combinados. O tempo me trai. Ele avança em alta velocidade e me deixa de pijamas. E há outra coisa chamada rede social. E tudo o que contei acima desmorona.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente pela manhã e começo da noite eu tenho a cabeça mais limpa. Mas já entendi que não posso me dar ao luxo da escolha. Portanto, prefiro dizer que a qualquer momento eu procuro escrever, anotar, esboçar algo. Entendi que não posso encarar a escrita como algo especial, ela deve ser tão importante quanto varrer a frente da casa.
Durante a escrita do meu romance A imensidão íntima dos carneiros, teve um momento em que travei. Aconselhado por um pai de santo, eu acendia uma vela, enchia um copo com água e pedia licença aos meus antepassados para escrever. Mas atualmente não tenho nenhum ritual específico. Gosto de escrever ouvindo música. Vivo criando playlists para cada projeto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo um pouco quase todos os dias. Eu tenho uma meta de escrita diária de 2000 a 3000 caracteres. Mas isso não significa que eu consiga. A meta está lá. A vontade está lá. Mas nem sempre as coisas saem como planejadas. Creio que o mais importante para mim seja escrever com frequência. Persistir com entusiasmo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A pesquisa e a escrita se dão simultaneamente. Às vezes a pesquisa de um tema determinado só irá existir depois que uma dada situação ou personagem solicitou esse tema para prosseguir a sua jornada. E, às vezes, para que ele prossiga eu preciso de mais dados, de mais informações a respeito de determinado assunto. Enfim, é um processo que se retroalimenta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação e a ansiedade são os dois maiores vilões para mim atualmente. A minha maneira de lidar com a procrastinação é reconhecê-la num primeiro momento e dizer: “sim, eu sei que você acha que isso é uma perda de tempo, que antes é preciso cuidar da vida prática, eu já conheço o seu discurso e sei que você muitas vezes tem razão, mas agora eu irei sufocá-la com algumas histórias”. E pronto. A ansiedade é uma constante amiga. Com ela eu bebo chá e respiro. Já o medo de não corresponder às expectativas, bem, o medo me fez escrever um romance. É disso que se trata o A imensidão íntima dos carneiros.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas e muitas vezes. Revisar/Reescrever é essencial. Coisas escapam aqui e ali e mesmo que você se debruce com o maior cuidado, fios soltos aparecerão para denunciar o que você não viu. E aí entram os pares, amigos e leitores críticos. A minha primeira leitora e maior crítica é minha esposa, que também é escritora e uma grande leitora. A leitura dela é sempre a mais cruel. O primeiro diálogo é sempre com ela. Depois submeto o original aos amigos leitores e, por fim, é claro, aos editores e revisores. E mesmo com o livro publicado, sempre descubro algo que poderia ter mudado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo direto no computador. Faço anotações em vários pequenos cadernos que sempre carrego comigo. Mas a escrita mesmo se dá na máquina. Os caderninhos podem ser traiçoeiros e se perderem entre as estantes.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As minhas ideias vêm da memória e da imaginação. Mas também de tudo o que eu ouvi, vi e senti. Tanto a memória quanto a imaginação se constituem dessas experiências e dessas invenções. Não sei se o que vou dizer justifica a ideia de se manter criativo, mas me alimento muito de contos populares de diversas tradições, da leitura de mitos, daqueles que eram contados em volta da fogueira, assim como da poesia. Além, é claro, de passar horas observando os meus gatos brincarem: o exercício criativo no seu mais alto grau.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que o que mudou foi a minha dedicação. Antes eu escrevia menos e me dedicava menos ao processo de escrita. Estava, talvez, à espera da musa inspiradora. Agora estou sempre pensando em um texto ou escrevendo. Uma história só pode nascer quando está sendo escrita. E se hoje eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, eu teria me dedicado o dobro do que eu me dediquei. Hoje eu sei que não se trata de inspiração, é preciso transpirar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muitas coisas passam pela cabeça, entre elas está um livro para adultos, talvez um romance só com animais. Eu sei que não se trata de nada original, mas é um desejo dialogar com tais personagens. Eu me interesso muito pelos mitos, as fábulas, os contos tradicionais. Gostaria também de fazer uma releitura de algum mito. Quanto ao livro que ainda não existe, eu gostaria de escrevê-lo e roubaria o título da sua pergunta: “O livro que ainda não existe”.