Marcelo Maluf é escritor e professor de criação literária, autor de “A Imensidão Íntima dos Carneiros” (2015).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Escrevo de segunda a sexta. Começo por volta das 9h e vou até às 18h, às vezes até às 20h. Com intervalos para almoçar, responder e-mails, ler e fazer as tarefas domésticas. Ou seja, trabalho em pequenos períodos de uma ou duas horas e divido o tempo com outras atividades. Mas sempre deixo os arquivos dos textos abertos. Assim posso recorrer a eles quando uma solução, cena ou novas ideias surgem. Atualmente estou trabalhando em dois projetos: uma ficção para adultos e outra infantojuvenil. O que é uma experiência recente para mim. Antes eu trabalhava em um projeto até finalizá-lo e só depois começava outro. Demorei a perceber que isso era muito desgastante. Agora consigo respiros e novos ares.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Já experimentei de tudo. Mas a experiência me ensinou que sou o tipo de ficcionista que precisa um pouco de chão para começar. Então, despejo ideias, caminhos e possibilidades. Mesmo que depois eu siga pouco ou nada do que anotei, mas sem isso eu nem começaria. Ou melhor, escreveria três linhas. Ou seja, a coisa só flui quando eu estou entre tensão e relaxamento, como diz o Ray Bradbury. Para mim, o mais difícil é escrever, seja a primeira, a última ou o meio todo. Não é fácil. Até que eu gostaria que fosse. Queria ter a facilidade de um Simenon, por exemplo. Isso me deixaria feliz. Mas ser difícil não significa que seja dolorido. Escrevo com prazer e entusiasmo. Gosto de contar histórias.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Minha única rotina é sentar e escrever. O fazer é o que me importa. Se tiver silêncio, melhor. Se não tiver, escrevo mesmo assim. Tenho o privilégio de ter um cantinho meu, uma sala com meus livros, meu lugar de trabalho. Por isso, em geral, tenho silêncio. E isso me ajuda bastante a me concentrar.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Perdi muitas batalhas na minha luta para vencer a procrastinação. Perdi, não perco mais. Como disse, o Fazer é o que me importa. Quando escrevo, sou uma pessoa melhor, com bom humor e leveza. Se não escrevo, tenho gastrite, a lombar dói. Fico irritado, enfim. É uma coisa louca. Eu escrevo também para me manter saudável. Descobri que procrastinar no meu caso era autossabotagem, uma maneira de desistir. Quando me sinto travado, escrevo outra coisa, vou ler. A leitura sempre me dá novas ideias.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O texto que me deu mais trabalho foi o “A imensidão íntima dos carneiros”. Quando comecei a escrevê-lo não tinha nenhuma experiência com prosa longa, aí o bicho pegou, eu estava com a coisa de ser enxuto, cortar, cortar, enxugar, que vinha do conto. Aí no romance eu percebi que as estratégias do conto não funcionariam. Ainda assim, olhando hoje, penso que dá pra perceber ali o contista em busca do romance.
Eu me orgulho do romance, é claro, ele me deu um prêmio e também um fôlego para seguir adiante, assim como me ensinou muito sobre o processo de escrita de um romance, enfim. Mas tenho que dizer que me orgulho muito também do meu primeiro livro publicado, que foi a novela infantojuvenil “Jorge do pântano que fica logo ali” (FTD, 2008). Penso que ali eu me soltei, escrevi com muita liberdade, sem afetação, sem medo e me diverti muito. Tenho pensado muito no processo de escrita dele. No quanto ainda aprendo com aquela experiência.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Não necessariamente eu escolho um tema primeiro, mas escolho situações e personagens. Ao longo da narrativa vou entendendo melhor sobre o tema, a partir daquilo que as cenas e os personagens me dão.
Sim, claro que tenho um leitor ideal em mente. Acima de tudo, eu escrevo para o leitor que quer abrir o livro e ler uma boa história. Mas é preciso dizer que esse leitor ideal não é um grilo falante me dando conselhos durante o processo. Ou seja, ele não escreve comigo, mas espero que ele se emocione, fique com raiva, medo, se envolva, se divirta enquanto lê, tanto quanto eu. Eu escrevo o que me dá entusiasmo e prazer. De modo geral são questões existenciais, psicológicas. Eu também sou meu leitor ideal, gosto de ler ficcionistas que privilegiam a comunicação com o leitor, que usam a linguagem como meio e não como fim, que optam pela clareza, pela simplicidade, que contam boas histórias.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Antes eu mostrava o trabalho no meio do processo. Mas resolvi, há pouco tempo, mudar e seguir a dica do Stephen King. Só apresentar o trabalho quando tiver finalizado uma primeira versão. Minha primeira leitora é a Daniela, minha companheira. Ela é uma grande leitora e crítica severa. Além de ser escritora também. Depois apresento a outros dois ou três leitores.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Tenho o desejo de me dedicar à escrita desde a minha juventude. Mas resolvi levar a coisa adiante aos vinte e cinco anos. De lá pra cá, com altos e baixos eu sigo produzindo.
Quando eu comecei a me dedicar à escrita, eu gostaria que alguém tivesse dito que produzir literatura é, simultaneamente, arte e mercado, assim como o é em todas as outras artes: cinema, artes visuais, música, teatro, etc. Enquanto escrevo não penso no mercado e nem no grupo de leitores especialistas. Ou seja, penso apenas no meu leitor ideal, naquele que gosta de ler boas histórias. Mas como escritor tenho que ter a consciência de que o que faço é apenas um trabalho e meu compromisso é escrever uma boa história e quero dar o melhor de mim ali, sem a ingenuidade de me achar especial por isso, sem a ingenuidade de não saber que, por menor que seja, existe um mercado, editores, livreiros, etc, e que para ler o seu livro, o leitor terá que compra-lo.
Esse negócio de esperar a inspiração vir para escrever algo autêntico é uma balela romântica e castradora. Gostaria muito de ter ouvido isso. E saber que excluir a ideia de que o livro também é um produto, para além de todos os méritos artísticos que ele possa vir a ter, faz mal à saúde da carreira do escritor. O Jorge Amado, o Érico Veríssimo, o Roberto Drummond, o Fernando Sabino, o Umberto Eco, o Ítalo Calvino, o Kurt Vonnegut, tinham essa consciência e produziram coisas sensacionais. Assim como gostaria que alguém tivesse me aconselhado que a fronteira entre a chamada ficção literária e ficção de entretenimento, deve ser abolida. Hoje eu leio com o mesmo prazer Stephen King, Kafka, Simenon, Dennis Lehane, Dostoiévski, Agatha Christie e Clarice.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
A única coisa que me atrapalhou para chegar no que pode ser chamado de “estilo próprio” (de verdade, não acredito muito nisso), foi o medo e a afetação literária. Acredito mais em “verdade própria” do que em “estilo próprio”. Ainda sofro um pouco dos males do medo, mas a cada dia que passa tenho vencido pequenas batalhas.
O autor que me influenciou na decisão de querer ser escritor foi, sem dúvida, Fernando Sabino. Quando li o Grande Mentecapto, na adolescência, aquilo foi uma experiência marcante. Fui ler tudo do Sabino. Depois as influências vieram dos autores mais distintos: Kafka, Allan Poe, Hermann Hesse, H.G.Wells, Albert Camus, Ray Bradbury, Ítalo Calvino, George Simenon, Umberto Eco, Gianni Rodari, Roald Dahl, Machado de Assis, Dostoiévski, Lygia Fagundes Telles, Neil Gaiman, Leopoldo Lugones, Horacio Quiroga, entre outros.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Vou recomendar 3 leituras recentes que me deram muito prazer:
“A menina submersa”, de Caitlín R. Kiernan (Darkside), “Quarteto”, do Manuel Vázquez Moltalbán (Objetiva) e “Pax”, de Sara Pennypacker (Intrínseca).