Marcelo Jucá é escritor, jornalista e educador, autor de “O que pegamos emprestado dos outros” e “A vida seria mais fácil se eu fosse um monstro”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Olha só: não. Para ser sincero, eu tento, mas nem sempre sou bem-sucedido. Entendo que sou um ser 72% ou 86% organizado. Mas as variações também caem para os 44% por exemplo. E isso influencia diretamente na rotina. Inserido nesse contexto, também estão os dias que estou com minha filha, e os dias sem ela. No fim, o que consigo seguir à risca é preparar o café preto, dar uma olhada nos jornais e a partir daqui, depende da demanda do dia ou mesmo da semana. Além de escritor, tenho outras atuações, e isso consome bastante tempo e esforço. De todo modo, até penso que gostaria de um tempo, uma rotina mais clara, para me dedicar apenas à escrita (e aqui, ainda caberia a leitura, pois sim). Poderia, com certeza, separar as horas do dia para isso, ser mais metódico. Contudo, sou ansioso, e isso me impede de ficar tranquilo e trocar de atividade sendo que tem outra ainda para finalizar. Do jeito que está, nessa rotina desordenada, mas que me encontro, está bom, não posso reclamar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Isso é muito de cada pessoa, com certeza. Cada um deve entender como se sente melhor. Sou uma pessoa mais diurna, e mesmo assim já escrevi textos pela noite ou exausto durante madrugada. Como funciona para mim: às vezes uma frase, uma ideia, um parágrafo importante vem como um grito e o mais importante nesse momento é registrar esse sentimento. Depois, descansado, completamente focado, edito, arrumo, excluo, tanto faz, mas conseguirei captar qual foi o sentimento, a resolução tão importante que não pode esperar. Diante disso, meus textos passam por, vamos dizer, essas duas etapas:
a) primeiro é colocar a ideia na tela. Achar a trama, o fio condutor, o fazer esse esqueleto. A história vai sendo construída a cada teclada. Saio da realidade e entro na narrativa, sinto o que os personagens sentem, xingo, rio, me apaixono, fico decepcionado e emocionado. Isso tudo até chegar ao ponto final.
b) nesse segundo momento, entendo qual realmente é a história, se tem outras escondidas, se ela deve tomar outra direção. E começo a editar trechos do texto que não agradam, melhoro passagens e diálogos. Incluo ou tiro personagens. Uma pequena cirurgia, vamos dizer. Nossa, esse exemplo foi péssimo, mas vou deixar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
De certa forma, escrevo todos os dias. Valorizo bastante os pequenos atos de enviar um e-mail, fazer um convite, trocar mensagens e discutir ideias, seja sobre filme, livro ou política. Isso deve ser herança do jornalismo, da importância em se comunicar de forma clara e correta a todo instante.
É um exercício, ou um jogo, para os dedos e para a mente. Acho que vale aproveitar qualquer oportunidade, afinal. Além do mais, uma palavra ou uma frase pode ser o gatilho para uma nova ideia. Tem que estar atento o tempo todo.
Por exemplo, quando estou com um texto já engatilhado, em processo, uma parte da mente sempre está trabalhando na próxima palavra, rima, surpresa da história.
Agora, nem sempre dá para escrever literatura todos os dias. É uma cena romântica que tem sido desconstruída por muitas vozes, mas ainda não totalmente. De sentar em frente ao computador e ficar horas trabalhando nisso. No meu caso, às vezes não dá por questão de outras demandas profissionais e particulares, fico afastado a tal ponto que me faz sentir falta, uma necessidade mesmo. É horrível. Por outro lado, às vezes é uma escolha, é bom dar uma distanciada, uma descansada nos textos, respirar outros universos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nada disso. Começo a escrever a partir de uma ideia, um título, uma situação, um sentimento. E vou desenvolvendo. Por exemplo, de repente entendo que um texto com um personagem que anda de bicicleta pode ser bacana. De cabeça mesmo, quase automaticamente, já vou traçando perfis de personagens (às vezes eles vêm com nome que ficam até o final ou são trocados) e qual contexto estão inseridos. Tudo acontece um pouco ao mesmo tempo. É uma explosão. Chego no computador e começo a digitar o que alguma voz na minha cabeça assopra. Apago e continuo. Apago e continuo até encontrar o caminho e entender o que eles, os personagens, querem contar.
Quando chego em determinada passagem que precise de uma pesquisa, seja sobre bicicletas, sentimentos, áreas geográficas, exercícios físicos, qualquer coisa, fico com o texto aberto e me ponho a ler tudo o que encontro e que pode ser útil. Aos poucos, vejo o que dessa pesquisa realmente importa e faz sentido dentro do texto, na vida dos personagens. E assim sigo. O texto sempre está aberto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Felizmente, não rolou comigo nenhum tipo de pânico da folha em branco. As travas, apenas se tratando de uma dificuldade em como continuar, ou qual decisão tomar em certos momentos, nada demais. Pelo contrário, é muito bom, é um sinal de que não estou viciado em copiar uma fórmula. Sofro um pouco. Recuo. Deixo o texto parado o tempo que precisar. Enquanto isso, sempre estou envolvido em outros textos. Depois retomo aquele primeiro, que precisava desse tempo, precisava ser melhor compreendido no meu interior para continuá-lo, para fazer essa transição com a profundidade da história.
Expectativas estão aí para destruir as pessoas, né? Melhor deixar para lá. Seja o seu próprio crítico.
É difícil dizer, porque boa parte dos escritores, como eu, é ansiosa, mas o tempo é a melhor edição de uma ideia, de um texto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Entendo que toda a leitura já pode funcionar como revisão também. Se no ato da escrita a frase que saiu não me agrada, reescrevo em cima de uma forma que acho que passa bem o recado. E caso eu veja um erro, na hora vou corrigi-lo, não consigo deixar para depois. Enfim, com o texto finalizado mesmo, geralmente faço pelo menos mais três leituras, e sempre que possível com um espaço de tempo de um mês entre elas. Nem sempre dá. A gente faz o que é o mais possível na situação.
De vez em quando mostro um e outro texto para uma e outra pessoa, mas não me sinto muito à vontade. Todo mundo é ocupado, ou mesmo que não seja, não está ao meu dispor para ser leitora compulsiva de ideias. Confesso que sinto falta dessa troca. Pois, no fim das contas, grande parte da minha produção vai direto para os editores. É só a “minha verdade”, e acho bacana pegar outro olhar para entender como o texto chegou para a pessoa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador direto. Só escrevo à mão as tais frases, parágrafos ou ideias que me pegam no meio da rua ou no metrô. Só que, pensando bem, tenho revezado entre fazer isso e anotar no celular.
Viu só, 63% organizado. Tenho rascunhos anotados em todos os cantos. Sempre acabo esquecendo ou perdendo alguns. Isso é meio pé no saco.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sim! Três grandes hábitos: ouvir, observar, sentir (no sentido da empatia com o outro). O hábito é prestar atenção ao que está acontecendo, ao que aconteceu, ao que pode acontecer.
Essa é minha base e material para começar a viajar nas milhões de possíveis histórias de e se…
Faço-me sempre a pergunta: por que esta história merece ser contada? O que ela pode adicionar? Ela pode te surpreender? Questionamentos como esses.
A música e os filmes surgiram na minha vida antes da literatura, e também são universos que me influenciam muito nas construções e exercícios de criatividade. E junto isso ao fato de ler notícias todos os dias, do o que acontece na cidade até aquelas curiosidades de ciências. É uma mistureba danada de onde tiro as histórias. Eu me divirto bastante, com certeza.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Talvez um amadurecimento natural, pois continuo lendo muito e sendo bem crítico com meus textos. Isso sempre me leva a tentar fazer algo diferente, melhor. É um tipo de coragem, de empurrão. Ah, claro, e perdi o medo de publicar. Dois medos na verdade, do lançamento físico, o evento em si, e o medo das críticas, da expectativa minha e dos outros. É claro que ainda sinto um frio na barriga, e isso é gostoso, se saber levar sem sofrimento.
Nem preciso voltar para os meus primeiros textos. Disse isso para mim ainda hoje: continue.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Bem, começar, eu comecei naqueles 27%. É um romance que vai tomar mais fôlego, iniciei uma pesquisa, tenho tentado ouvir a voz dos personagens, já vi o cenário, mas a demanda de outros textos e trabalhos tem me impedido de tirar, aqui sim, uma semana que seja, sem interrupção, para começar a escrever de fato essa história.
Ainda preciso ler muitas obras que estão na estante ou nas bibliotecas. Já é o suficiente.