Marcelo Frota é professor e tradutor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minhas manhãs nesses últimos tempos tem sido atribuladas, divididas entre a rotina de professor de inglês no Colégio Sagrado Coração de Jesus, o mestrado na Unijuí e os cuidados com minha filha Melissa, que logo estará completando dois anos de idade. Minha rotina pela manhã, antes das aulas e da Melissa chegar eram destinadas a arte, ouvir uma música, ver um filme, ler ou escrever. Agora, quando tomo conta da minha filha pela manhã, normalmente assistimos um programa infantil ou escutamos música. Ela gosta muito de David Bowie e Stacey Kent, mas também curtimos juntos álbuns de jazz do Miles Davis, da Melody Gadot ou então Beatles, Bob Dylan, Chico Buarque ou Rolling Stones, entre muitos outros. Gostamos de ouvir música e dançar juntos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor a noite, nas madrugadas, ou pela manhã, mas como agora as manhãs são atribuladas, as noites têm sido dedicadas à escrita, às leituras, tanto para o mestrado quanto a literatura. Não sei bem se é um ritual, mas gosto de antes de escrever, preparar um café bem quente e sem açúcar e então ir para o computador e “ver o que nasce”. Normalmente tenho algo em mente quando escrevo poesia, e se não tenho um tema especifico, costumo me concentrar em uma palavra ou frase e ver o que nasce dessa palavra. Normalmente, quando escrevo assim, a poesia me leva a lugares inimagináveis.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, não escrevo diariamente. Posso passar dias, semanas ou até mesmo meses sem escrever. Mas costumo anotar ideias ou frases soltas e usa-las como referências futuras. Lógico que existem períodos de produção intensa, eu acho, na verdade que minha escrita é cíclica, costumo escrever mais em períodos de frio, como o outono ou o inverno. Na poesia é difícil colocar uma meta, mas quando quero criar ou preciso finalizar um livro ou resenha crítica, costumo colocar como meta 3 páginas por dia. Quanto a prosa, também tenho essa meta de 3 páginas, que era como José Saramago se dedicava a seus romances. Claro que já escrevi mais de 3 páginas, cheguei a 17 uma vez, mas depois precisei reescrever praticamente tudo novamente. Então prefiro escrever 3 boas páginas, ou 3 ótimas páginas, do que escrever em profusão.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A primeira versão, escrevo com o coração, sem me importar muito com detalhes ou descrições precisas do ambiente, assim como nomes de ruas ou detalhes de interiores. Costumo fazer anotações vagas antes de começar, para assim traçar os rumos da trama. A pesquisa entra depois, na segunda versão, quando é preciso, para mim, dimensionar o texto e contextualizar a trama em um local, como uma cidade, e dentro dessa cidade os bairros, as ruas e os interiores, sejam de uma casa ou um apartamento, um bar ou um cinema ou livraria, para isso faço pesquisas bem especificas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo travar na escrita, embora isso aconteça as vezes, e se acontece, dou um tempo na produção por uns dois ou três dias e esqueço do texto, embora, inevitavelmente, ele volte as vezes a memória. Então o retomo de onde parei, e confesso, que essas pausas costumam melhor a escrita quando retomada. Descobri com o tempo que não adianta forçar a prosa, ela precisa vir de forma natural.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o texto quantas vezes acho necessário. Não tem um número especifico de vezes, mas confesso que muitas vezes preciso abandona-lo, ou ele nunca estaria realmente finalizado. Quando decido abandonar um texto o considero pronto e não mexo mais nele, embora, as vezes a vontade seja modificar algo. Se não fizesse isso, nunca terminaria um texto. Não costumo mostra-lo a outras pessoas, ele vai direto para a editora como o concebi.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é ótima. Não consigo imaginar como seria escrever sem meu computador. Já escrevi com máquina de escrever e confesso que não curti. Prefiro o computador e normalmente os rascunhos são feitos no computador ou no celular, raramente anoto algo à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm do dia a dia, da observação de pessoas anônimas nas ruas, de uma cena de filme, de um pássaro voando, de uma frase que ouvi ou pensei. Não sei se existe um conjunto de hábitos para me manter criativo, se tem, eu não os cultivo. Minhas ideias vêm da observação, do pensamento, da contemplação. Podem vir nas horas mais inesperadas do dia, e se estou na rua, gravo um áudio no celular ou escrevo no bloco de notas. Se não anoto, costumo esquecer e sinto que já perdi ótimas ideias por achar que as lembraria posteriormente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A urgência. Percebi com o passar do tempo que a urgência, a vontade de produzir em demasia afeta o texto, e ele se torna vazio ou incompleto. Se torna algo vago e incomodo. Se pudesse dar um recado a minha versão mais jovem, eu diria a mim mesmo para não ter pressa, para ler mais e produzir de forma contida e consciente. A vontade de produzir em demasia prejudica o resultado final. O texto tem seu próprio tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Escrever algo voltado a ficção cientifica. É um gênero que amo desde que me conheço por gente, mas no qual ainda não me aventurei. É um projeto para os próximos anos, mas preciso sentir que estou com a ideia certa, e esse sentimento, ainda não veio. Gostaria de escrever algo no estilo do Quentin Tarantino, ou Woody Allen ou François Truffaut. Ainda não aconteceu, mas sinto que acontecerá.