Marcelo Frazão é artista plástico e autor dos livros de poemas Haikai e Homo Sapiens Sexualis.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Uma das coisas que me deixa mal-humorado é fome, então começar com um bom café e pão feito em casa (gosto sempre de saber o que estou comendo) já é prenuncio de um bom dia. Em seguida, ligo o celular, espio as redes sociais, deleto as “mensagens fofas” e respondo as mensagens pessoais. Tenho rotinas matinais (acho até que um leve TOC, mas nada que preocupe). Não escrevo todos os dias. Minha rotina de escritor fica subjugada por outras atividades como a fotografia, curadoria, exposições e projetos nem sempre ligados a literatura.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A melhor hora para trabalhar é a partir do momento em que desligo o telefone. Este é meu ritual de preparação. Desconectar de um mundo e plugar no outro. Sem hora para começar ou para terminar. Saber que há limite de tempo para criar é algo que me bloqueia, me desconcentra. Às vezes, quando estou escrevendo, esqueço o horário das refeições. Só lembro quando começo a ficar mal-humorado e descubro que já são 3 da tarde e eu ainda nem almocei.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Adoraria sentar para escrever x horas por dia, ficar lendo, relendo e lambendo o texto, mas não funciono assim. Sou dos períodos concentrados. Um pouco de pressão, como prazo de entrega, às vezes ajuda. Não acredito em metas. Acredito em conexão. Meta é coisa para quem vende apólice de seguro ou produtos afins. Gosto de separar compromisso e prazer. Escrever é um prazer. Criar é um prazer. Gostaria de aproveitar melhor o meu tempo nisso, mas como a maioria das pessoas, tenho outros afazeres cotidianos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho um bloco de notas. Registro frases que surgem. Se não anotar, esqueço. É como um insight. O Homo Sapiens Sexualis nasceu assim, dessas frases. Foi um processo de mais de dois anos. Poesia para mim funciona assim. Conto e novela, não. O processo é inverso, a pesquisa costuma preceder. Mas não é uma regra. Tem vezes que a necessidade de pesquisa se dá no meio do trabalho. Ou escrevo um conto inteiro a partir de uma única ideia, sem interferência externa, sem muletas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Para esses casos existem duas filosofias de vida que procuro sempre praticar. A primeira é o dolce far niente. A segunda é estar com o foda-se ligado no piloto automático. O grande problema de um projeto, para mim, não é ser longo ou curto, mas sim o prazer que me proporciona. Prazer e remuneração são alegorias que, no Brasil, nem sempre andam atreladas à cultura. E ter que matar um leão por dia cansa. Quanto à expectativa, depois que o texto está publicado, resta o consolo dos ditados populares: “O que não tem remédio, remediado está.”
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes. Quando sinto que está pronto, gosto de ler em voz alta. Só depois dessa filtragem, mostro pra algumas pessoas em que confio, que sei que me darão uma opinião sincera e me ajudarão a ver possíveis falhas que não percebi antes. Por outro lado, não gosto que me peçam opinião sincera ― já perdi amigos por conta disso. Acho muito importante revisar e analisar, um texto publicado é um pensamento que fica registrado para sempre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho o lado analógico e o digital. Transito nos dois mundos sem problemas. Anoto ideias em blocos de papel e depois vou para o teclado. Para mim, a finalização no computador permite cortar, colar, separar, maturar, deixar de molho, apagar e enviar o texto com muito mais facilidade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acredito que as ideias saem de onde vivem os monstros, os diabos, o prazer e a dor. A criatividade reside na prática. É antônima de ferrugem. De água parada. Mas nada disso tem qualidade se o autor não tem bagagem. Bagagem, nesse caso, quer dizer vivência acumulada. Vivência que vai sendo amadurecida, transmutada, até vira material que possa comunicar alguma coisa a outro alguém. A criatividade e as ideias serão superficiais se não forem pessoais, se não transmitirem verdade. Acabarão se reduzindo a clichês ou a repetições de coisas escritas por outros, geralmente com melhor forma e conteúdo. Essa é a diferença que marca um bom autor dos demais.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A maturidade se faz presente no trabalho se o autor se permite amadurecer. Essa permissão gera mudanças que não são apenas físicas. Não sei se realmente amadureci, isto não dá pra ver no espelho. Se eu pudesse voltar aos 18 anos, com certeza eu me diria: Vá fazer medicina! Escreva nas horas de lazer. (risos)
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou. Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu não gosto de deixar meus projetos para amanhã. Não sei o que acontecerá amanhã. Tento colocá-los em prática quando sinto que estão prontos para ter vida própria, quando sinto que não serão um fardo ou um barco pronto para naufragar. Energia é algo precioso, e costumo colocá-la em projetos que julgo frutíferos, que me darão prazer. Quanto aos livros que gostaria de ler, dois estão por terminar, aguardando na gaveta. Gostaria de vê-los publicados. Mas ainda não estão totalmente prontos.