Marcelo Ferroni é editor e escritor, autor de O fogo na floresta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo fora do horário, ajudo a preparar o café da manhã para as crianças e corro para me arrumar a tempo. Tenho de me apressar para ir trabalhar. Nos finais de semana, tento escrever uma hora assim que acordo, antes de todo esse processo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã. Mas as circunstâncias me obrigam a trabalhar de noite, entre 21h30 e 23h30, dependendo do dia. O importante, para mim, é escrever todos os dias, então não fico esperando o melhor momento, nem faço um preparo prévio. Simplesmente me sento numa poltrona ou na mesa de jantar, abro o laptop e recomeço a escrever. Pode ser com a TV ligada, com os meninos vendo o YouTube ou tocando o terror na sala. Não escrevo bebendo nem ouvindo música. Nem de ressaca. Mas às vezes escrevo com raiva.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sim. Minha meta mensal é de cerca de trinta páginas. Claro, cada página será reescrita, no final de todo o processo, quatro ou cinco vezes. Assim, para um livro de duzentas páginas terei escrito cerca de oitocentas a mil páginas, que ninguém nunca vai ler. Mas tento pelo menos completar uma dessas páginas inteiras por dia quando sento para escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começo a escrever com uma ideia vaga, depois de passar alguns meses rascunhando imagens num caderninho e fazendo uma pesquisa prévia. Começo sem um plano estabelecido e não espero ter toda a pesquisa pronta para começar. Me forço a seguir em frente, mesmo sem ideias. Nessa versão, ninguém mais lê, só eu. É uma versão horrível, mas me ajuda a impedir os bloqueios e indecisões. Simplesmente escrevo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Me sinto terrível quando fico dois ou três dias seguidos sem escrever. Me acostumei com a rotina, aprendi que uma migalha aqui, outra ali, acaba formando um livro, quatro anos depois. E não espero ter uma experiência boa de escrita; já tive péssimos dias, mas sei que no dia seguinte pode ser o contrário, então tento não me importar. Controlo assim minha ansiedade. Sobre as expectativas, tenho a sensação de que nunca as preencho. Quero dizer, sinto que ninguém espera nada de mim. Então escrevo o que quero.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reescrevo meus livros cinco ou seis vezes. Imprimo a versão anterior, faço uma encadernação. Abro um arquivo novo no Word, vou para a primeira página e começo a escrever tudo de novo, olhando a versão impressa. Às vezes, faço um livro totalmente diferente da segunda vez. Mas, com o passar das versões, elas vão ficando mais compactas, e as alterações, menores. Na última versão, geralmente a quinta, leio tudo em voz alta, para acertar a cadência e o som das frases. Só aí minha esposa, que também é editora, lê. É a minha primeira leitora.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço primeiro à mão algumas notas desconexas, depois passo para o computador. Minhas releituras são feitas num arquivo impresso. Tudo mais é feito em Word.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tudo é literatura. Eu não consigo pensar no contrário. Tudo é ideia para livro. Quando estou fazendo um, tudo é ideia para aquele livro específico. Eu penso em termos de literatura o tempo inteiro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que aperfeiçoei esse meu método das múltiplas reescrituras e sou feliz com ele. Isso deixa todo o processo mais lento, mas eu não poderia escrever de outra forma. Me dá segurança. Quando olho para trás, vejo que escrevi da única forma possível: muito, com persistência, escrevendo muita bobagem, mas adquirindo experiência no caminho. Não há um atalho fácil.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho sete ou oito livros que gostaria de escrever. Mas escrevo só um de cada vez. E o processo me toma de quatro a cinco anos. Então não sei quando farei tudo. Nem sei se terei interesse por eles daqui a dois ou três anos, quando terminar esse meu projeto atual.