Marcelo D. Varella é professor do Centro Universitário de Brasília, doutor em direito pela Universidade de Paris, Panthéon-Sorbonne.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em geral, começo a trabalhar logo cedo, por volta das 7h30 da manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que o melhor horário para escrever é quando a mente está mais tranquila, antes dos problemas do dia a dia. Assim, prefiro escrever pela manhã.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou em um projeto mais longo, como um livro ou um trabalho de maior fôlego, escrevo todos os dias, com uma rotina regular de trabalho. Durante a tese de doutorado e de livre-docência, ou em trabalhos mais longos, que tomam anos, tinha uma rotina regular com número determinado de horas de trabalho pela manhã e à tarde, com pausa para almoço, em horários fixos. O ato de pesquisar é considerado como um trabalho qualquer, com método e horários.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sou de uma escola que parte do fato para a teoria. Em geral, prefiro analisar primeiro a jurisprudência e os problemas fáticos concretos, tantos quantos eu consiga encontrar. Em seguida, formulo minha própria concepção sobre a questão.
Começo então a realizar a pesquisa de fontes de forma mais abrangente. Considero que um trabalho de pesquisa jurídica tem que ter necessariamente algumas fontes para ser considerado bom: teoria, jurisprudência e normas. Por teoria, considera-se livros monográficos, teses e artigos de periódicos, todos nacionais e estrangeiros. Para encontrar esse material, utilizo o portal domínio público, o www.srrn.com e o www.persee.fr, além de algumas revistas com as quais estou acostumado. Considero o Recueil de Cours d´Académie de Droit International uma fonte indispensável em vários temas.
No tocante à jurisprudência, busco as decisões nacionais, estrangeiras e internacionais. Se for um tema de direitos humanos, as decisões da CIDH, CEDH. Se de direito econômico, as decisões da OMC. Utilizo bastante o Bréviaire de Jurisprudence Internationale. Gosto bastante da organização de informações do www.bjdh.org.mx, para direitos humanos, do índice analítico da OMC e assim por diante. Procuro a informação de forma mais precisa. Todas essas bases de dados nos fazem ganhar bastante tempo.
Por fim, normas. Acho que um trabalho jurídico não existe sem usar normas e jurisprudência. Procuro sempre estudar as normas nacionais, estrangeiras e internacionais. Atualmente, é difícil um tema que não seja objeto de normas internacionais. Com o processo de internacionalização do direito, de fertilização cruzada entre tribunais, de globalização jurídica, mesmo os temas mais domésticos migram de um país para o outro rapidamente e é muito mais fácil encontrar ideias novas olhando o problema como algo global, trabalhado por autores, juízes e legisladores de todo o mundo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que existem três momentos difíceis em qualquer trabalho: escolher o tema, começar a escrever e saber que terminou. De qualquer modo, um trabalho é uma fotografia de um momento e não o resumo de uma vida. Você se dedica ao máximo até concluir que não está avançando mais, que está dando volta em círculos. Eis o momento de parar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu releio algumas vezes e, sempre, envio a colegas para críticas. Alguns nunca respondem, mas é comum receber contribuições positivas, ideias e exemplos novos. Envio para as pessoas que têm opiniões divergentes da minha, sem medo dos comentários, que são constantemente incorporados. Meu manual de direito internacional, por exemplo recebeu várias contribuições ao longo do tempo. A cada resposta, incorporo o nome do autor das sugestões nos agradecimentos, na nova edição. Às vezes, disponibilizo no www.srrn.com durante um tempo, e é comum ter reações.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador, sempre. Os fichamentos das leituras são feitos no Ipad, com o software Iannotate e os fichamentos no Endnote. Guardo também os arquivos com todas as anotações dos textos lidos em Word. Os trabalhos em coautoria são redigidos diretamente no Google Drive, para dar agilidade e viabilizar rastreamento de alterações. Os trabalhos mais longos são gravados diretamente no Google Drive, uma versão por dia, para que não haja risco de se perder o trabalho. Também tenho um Time Capsule, que faz backups a cada cinco minutos, para evitar perder trabalhos. Já tive experiências ruins, que me ensinaram a ser mais previdente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm sobretudo das aulas e do trabalho. Quando identifico um tema interessante, pouco tratado ou que tenha uma posição divergente, começo a estudar com o intuito de produzir. Evito repetir escrever sobre temas bastante discutidos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho que oscilo entre temas teóricos e práticos. Na fase atual, estou muito mais voltado para discussões jurídicas de problemas da realidade do que para discussões metajurídicas, como no passado.