Marcelo da Silva Antunes é poeta, prosador e editor, autor de VIVAVACA (poemas), SP: Sem Patuá (contos) e Outros Cortes (contos).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo boladão. Mas acho que escrevo melhor de manhã embora nunca escreva pela manhã, nela costumo ficar de bobeira na internet, dormindo ou dentro de ônibus, me locomovendo pra trampar, depende do dia. Na melhor das hipóteses consigo revisar os textos e organizar tarefas. Não consigo ter uma rotina, por pura falta de organização.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que de manhã estou mais atento. Acredito nessa de estar com a cabeça mais leve e com o texto menos contaminado, mas escrevo o tempo todo, no celular, na cabeça, no facebook, o foda é ter disciplina pra sentar e escrever.
Tenho vários rituais e não tenho nenhum, crio alguns rituais e acredito por um tempo, mas depois vejo que esqueci deles e sigo o trabalho, e tudo funciona. (risos)
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas. A não ser quando tenho prazos. Ou em uma reta final de trabalho, por exemplo, revisão final do livro, detalhes, pensar na epígrafe, isso me anima, aí fico totalmente dentro da escrita, não saio nem de casa, haha. E escrevo todo dia pelo menos uma linha.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo sempre, gosto de escrever, depois vejo se deu algum resultado, de um modo geral tento me sabotar o mínimo possível, deixando pra ser criterioso num segundo momento, que não o da primeira escrita.
Não tenho dificuldades em começar, acho mais complexo acabar haha, por conhecer um pouco do meu processo e de tanto fazer, sei por onde cortar caminhos e criar estímulos.
Minha pesquisa é muito mais no cotidiano, sou muito observador e fofoqueiro, no bom sentido, me interesso por tudo e busco sempre coisas que eu não sei, seja curso de marcenaria ou trocar ideia sobre algum medicamento pra cachorro, acho que isso fica armazenado na minha cabeça e busco lá quando preciso. Caso precise de alguma informação técnica, consulto, mas isso já é muito na frente, quase na leitura final.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Escrever pra mim é muito empolgante e divertido, falo sobre dores, sobre problemas e muitas vezes tocar em algumas feridas não é gostoso, mas durante o processo acho tudo fascinante. Quando estou travado é porque estou muito empolgado com outra coisa ou muito preocupado com outra coisa, sei lá, falta de grana é uma trava considerável.
Lido com elas sendo teimoso e escrevendo todo dia. Na maioria das vezes consigo. No meio de trabalhos acho normal e até saudável dar umas procrastinadas, se não entra naquela linha de montagem, tudo que acho horrível pra criação. Odeio disciplina, odeio crossfit.
Criação é outro tempo. É mais lento. Eu sou muito ansioso e tenho pressa de fazer as coisas acontecerem, quero viver só da literatura, mesmo que isso seja um sonho, não tenho formação de escrita, nem de letras, tudo que faço é na raça e na vitalidade, não sei se posso ter o luxo de errar muito.
Meus dois primeiros livros: o SP: Sem Patuá (editora Patuá) e VIVAVACA (Borboleta Azul) e o meu Zine Outros Cortes (Borboleta Azul), são curtos, dois de contos e um de poemas, surgiram da necessidade de gritar logo, entrar no game. Agora, tenho trabalhado em um romance, mas concilio com divulgação e outras coisas, isso me deixa mais tranquilo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende, tem alguns que parecem que foram ditados e já saem quase prontos, esses acho que já vinha revisando na minha cabeça, outros surgem e preciso ficar cavando, esses demoram. Na revisão é uma reescrita que vai me ajudando a limpar o terreno e fazer os acabamentos, a ideia central, ou funciona ou não funciona, aí depois de tentar cavar, se não der em nada, deixo quieto.
Mostro bastante em saraus, leio em encontros, principalmente os poemas, os contos e no caso o romance, não mostro, só pra minha companheira, que é minha revisora. (risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Acho que são dois lugares diferentes, prefiro escrever no computador, dá menos trabalho, pra prosa eu dificilmente uso os cadernos. Uso caderno pra poemas, e anotações. Uso o bloco de notas do celular também, quando uso, copio o texto e me mando por e-mail. Fora isso, acho que redes sociais derretem meu cérebro e roubam meu tempo. Um dia paro.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei se acredito nisso, tento usar o inconsciente e a memória, ou como queiram chamar essas coisas que ficam na gente e a gente nem sabe. O processo de não racionalizar muito durante uma primeira escrita ajuda a expor essas coisas.
Acredito que ser curioso é fundamental, ler e ler muito é o que mantenho como hábito, ler coisas diferentes, ler o que está sendo produzido hoje, autores vivos, ver futilidades, besteiras e viver, ter vivências é muito bom pra criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Leio textos antigos que dizem coisas parecidas com o que digo hoje, talvez hoje domine melhor, mas já estava tudo lá. Diria pra escrever mais e não errar crase e “porque” juntou ou separado. Tem alguns que eu acho que eram bem bons, mas me sabotei e caguei tudo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho me ocupado com os trampos que já comecei, tenho um bocado de trabalho, mas queria fazer um livro não livro, ainda mais do que minhas tentativas fracassadas. Quem sabe consigo um dia.
Não sei qual livro gostaria de ler, mas quem sabe alguma versão da bíblia repaginada, publicada como ficção, imagina, outra reviravolta na parada, um segundo filho na terra, sei lá.