Marcelo da Silva Antunes é autor de “SP: Sem Patuá” (Patuá, 2018).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Isso depende. Acho importante manter uma organização. Anoto num caderno as tarefas do dia e vou fazendo das mais importantes para as menos importantes, o critério são prazos e urgência. Eu tento dividir um tempo pra cada projeto, ser escritor no Brasil exige que você tenha mais empregos, muitos projetos ao mesmo tempo e muitas tarefas, incluindo tarefas domésticas. De uns tempos pra cá tenho tentado ser o mais organizado possível e focado no que é mais urgente. Só faço o que é urgente. O que já me consome todo o tempo. E cansa.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Tento planejar, quando comecei a escrever não planejava. Planejar é sempre uma boa, mas nem tudo cabe dentro, e isso não quer dizer que na metade do processo não possa cair tudo por terra, ou ventar para outros lados e eu seguir outro caminho, planejar é o melhor conselho sempre, pra vida. Conseguir se planejar é também um privilégio, ainda mais vivendo num país de terceiro mundo e nesse momento (jan/2021) comandado por um presidente assassino. Acho difícil começar e difícil terminar, mas não sofro por isso, vou tocando, dá pra começar pelo meio também. Deixar fluir é um bom negócio pra começar, depois vai tomando direção. Cada caso é um caso.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
No campo do ideal eu tento planejar e me organizar pra isso, quando estou desempregado ou sem outro projetos, eu foco no livro, escrevo todo dia, nos horários que são possíveis. Quando tenho outras atividades escrevo quando dá. Acho que é essa a realidade da maioria das pessoas que escrevem no Brasil. Escrever é uma coisa solitária nesse lugar. As outras atividades sempre vão gritar, gritam alto, algumas delas são armadilhas e condições do neoliberalismo, outras são uma questão de sobrevivência, escrevo num país onde o maior sonho das pessoas é ter o básico. Ter uma casa própria. E pra poder ter um teto (aluguel) e um prato de comida você precisa se dedicar a coisas que odeia por muito tempo, e ainda assim corre o risco de atrasar alguma conta. Tento escutar os sussurros da escrita no meio dessa gritaria, já escrevi poemas no banheiro de uma empresa que trabalhava e ando com cadernos pra textos curtos e anotar ideias. E anoto no celular também. Desenvolvi uma técnica de escrever versos e memorizar parágrafos pra quando tiver o celular ou um papel anotar. Isso pode custar colocar suas outras atividades em cheque. Além de causar demissões. Já fui demitido porque o patrão achava que eu lia muito e não era proativo.
E não preciso de silêncio pra escrever, acho que me acostumei a escrever quando esses sussurros vêm e quando eu quero escrever, quando tenho chance, tempo, escrevo em qualquer lugar, com barulho ou não. Mas reformas costumam atrapalhar bastante, vão irritando, mas irritam qualquer outra atividade também.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Antes eu escrevia todo dia, me forçava, dizia que não tinha isso de procrastinação e tal, estava com bastante fome pra escrever, agora levo de boa, quando não tenho prazo e não estou na pegada de escrever ou não tenho como fazer eu deixo. Se tenho outra tarefa urgente de sobrevivência eu tento não sofrer tanto. Eu sinto que o sussurro da escrita fala comigo em algum momento, e aí eu vou e escrevo. Acredito que estou sempre escrevendo, sempre lendo as coisas ao redor. Nunca fiquei mais de uma semana sem escrever nada no papel. Tento relaxar e lidar com isso de boa.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Me orgulho de todos os textos que escrevi, não gosto de todos, mas tenho orgulho de ter feito, ter parado o que tinha pra fazer e ter escrito. Quando comecei a escrever eu não conhecia ninguém que escrevia, até hoje conheço poucas pessoas do meu círculo afetivo e social, escrever nesses tempos é motivo de orgulho e um mistério. Tinha tudo pra não escrever e o tempo todo dizem pra eu não escrever mais, seja por meio do desprezo, da invisibilidade ou das outras necessidades. Acho que todos os meus textos dão trabalho. É sempre duro escrever, mas eu sinto muito prazer. É inexplicável.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Não tenho em mente ninguém, mas escrevo algo que eu gostaria de ler, e meu critério é esse, se algo me interessa pode ser que interesse pra mais alguém, e se eu gosto pode ser que mais alguém goste. Os temas me surgem, eu vou tentando alimentar eles por um tempo na minha cabeça, mas por vezes o texto vem antes do tema, e eu só vou entender o que escrevi depois. Tem textos que eu só descubro o tema depois que alguém me fala, com o livro já publicado. Outros são mais encomendados, geralmente por coisas que me chamaram muita atenção. Escrever ficção é um jeito de me organizar também, de colocar alguma dúvida ou certeza minha pra balançar.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
No começo eu não conhecia ninguém. Eu sempre queria mostrar. Mas no meu círculo social ninguém gostava ou ninguém queria saber, não tinha um grupo de amigos leitores e por muito tempo eu guardava pra mim, depois comecei a escrever em blogs, e receber algumas devolutivas, as pessoas começaram a achar legal e até meus últimos livros tem sido assim comigo, eu primeiro publico, depois recebo as leituras. Com raras exceções. No meu projeto que está em andamento, senti a necessidade de mostrar pra algumas pessoas, não recebi as respostas ainda haha, mas espero receber.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Comecei sem saber muito, de maneira geral eu faço primeiro, depois descubro o que era, é uma concepção meio tosca, mas é fruto de uma educação muito ruim, acho que foi uma certa sensibilidade, carência e prazer que me levaram pra escrita, um jeito desesperado e troncho de se comunicar.
Queria ter encontrado leitores e escritores (vivos) antes, ter trocado ideia com alguns deles, nem que tivesse sido pra achar eles um saco, pelo menos ter esse horizonte. Ser escritor e leitor no Brasil é um milagre. A não ser que você tenha berço de ouro. E isso reflete muito no cenário da literatura. É coisa pra uma minoria mesmo.
Sempre que posso tento trocar ideias com pessoas sobre o prazer da leitura e o ofício de escrever. Falo o que gostaria de ter ouvido, às vezes só escuto a pessoa falar, como gostaria que alguém tivesse me escutado.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
A precariedade me influenciou, comecei a ler porque escrevia muito errado, estudei em escola pública e fui um péssimo aluno, isso eu pensava, e não está de todo errado, mas por muito tempo minha perspectiva foi nenhuma, não tinha motivação pra estudar, nem pra nada, achava que teria que arrumar um trampo padrão e me contentar com aquele estilo de vida medíocre, na melhor das hipóteses. Começo a escrever meio que imitando o que lia por aí, escrevo de ouvido também, escrevo como eu falo, como eu gostaria de falar, como as pessoas ao meu redor falavam ou falam, uso muito a memória e acho que escrevo com cacos, palavras comuns, lugares comuns e coisas banais, a voz do personagem é importante pra mim, aquilo tem que me convencer, gosto também de criar um diálogo com quem irá ler, de aproximar as pessoas, escrevo o que gostaria de ler. E não escrevo pra sair em capa de revista ou de jornal, nem porque acho fofinho ou bonito. Não sou apaixonado por belas frases, me interesso mais por outras conexões. Não tive muitas referências no começo e essa falta de educação e essa defasagem foi o que moldou grande parte do que eu faço. Depois fui atrás, pesquisei livros das grades dos cursos de letras, li muitos clássicos e fui ajeitando meu texto, acho que tenho meu próprio jeito de escrever, aceitei e assumi ele e tento não lutar contra, ele deve ser uma mistura de tudo que eu vejo, escuto e leio, ainda que no fim seja uma voz que não sei muito bem de onde veio. E muito esforço, dedicação e leitura pra ela sair da melhor maneira.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Recomendo muitos livros, escrevo uma newsletter dizendo tudo o que tenho lido e gostado, leio muito, dois livros por semana (mais ou menos), e cada semana descubro o melhor livro da última semana. Os livros que mais me marcaram e influenciaram foram Recordações do Escrivão Isaías Caminha, do Lima Barreto (e quase tudo que li do Lima Barreto) e O Vermelho e o Negro do Stendhal. Esses livros parecem que foram escritos pra mim. Por diferentes motivos e relações e do momento que eu os li. Foram livros que viraram uma chave na minha cabeça.