Marcelo Conde é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Trabalho em agência de propaganda, seguindo horários como qualquer outro funcionário de empresa. Acordo umas 7h, faço meu café, leio poucas páginas de algum livro ou o jornal do dia, levo minhas duas cachorras, Matilde e Vilma, para o colégio (Ok, não é exatamente um colégio, mas a casa onde elas ficam durante o dia) e sigo para o trabalho. No carro, ultimamente, tenho escutado podcasts. Dois em especial: um sobre a Primeira Guerra, da BBC, e outro chamado Everything is Alive, que considero uma aula, e um exercício ao mesmo tempo, de construção de personagem. O programa é uma série de entrevistas com objetos: um travesseiro, um poste. Um dos episódios, em que o entrevistado é uma lata de refrigerante, é brilhante. Engraçado e lindo ao mesmo tempo. Nunca podia imaginar que, um dia, me emocionaria ao ouvir a história de uma lata de refrigerante.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Por causa do meu trabalho, não consigo seguir o ritual que eu gostaria. Não dá para ter um horário fixo num lugar específico. Embora eu perca a concentração muito fácil, precisei me adaptar. Coloco um fone de ouvido, sem música mesmo, para tentar me isolar um pouco do mundo. E escrevo quando me sobra tempo. De manhã cedo ou na hora do almoço. À noite eu nunca escrevo porque já estou com a cabeça cansada demais depois do trabalho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou escrevendo um livro, me imponho metas semanais. 10 páginas. Mas há semanas em que tenho mais tempo ou em que estou em determinada parte do livro onde as ideias estão claras e a escrita é mais fluída, com menos sofrimento – e consigo aumentar o número de páginas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meus livros começam sempre com um ponto de partida e um personagem na cabeça. Sei o que quero escrever, onde quero chegar e sobre quem vou escrever. Mas antes de começar efetivamente o livro, fico muito, muito tempo maturando as ideias. Escrevo notas onde der: em pequenos cadernos ou no celular. Relembro histórias que vivi ou escutei, diálogos que ouvi. E vou juntando tudo. Até que me sinto preparado para começar a escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido mal com isso tudo. Sou muito ansioso. E tudo que começo a fazer e não termino logo me dá uma agústia muito grande. Escrever um livro é um processo longo e, portanto, muito difícil pra mim. Sofro bastante, durmo mal.
A procrastinação também é um problema, claro. Mas acho que ela está ligada, pelo menos no meu caso, ao medo de não corresponder às minhas próprias expectativas. Porque toda hora que você senta para escrever pode ser o momento em que você vai descobrir que é uma baita enganação, que nada do que escreve presta.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei exatamente quantas vezes eu reviso. Mas costumo revisar semanalmente o que escrevo, para ir aos poucos. Mais ou menos a cada 10 páginas.
E mostro sim meu trabalho antes de tentar publicá-lo. Mas, depois de terminado, não abro para muitas pessoas. Como todos nós somos inseguros demais, acho que pode ser um problema. Tenho a impressão de que, se mostrasse para muitas pessoas, não pararia nunca de mexer no livro.
Por isso, prefiro escolher uma pessoa e seguir só com ela. Meu último livro confiei cegamente à Carola Saavedra, que além de ser uma escritora sensacional, é também muito generosa. Foi minha professora. E é alguém que considero um privilégio ter por perto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo os rascunhos sempre no computador. Um arquivo com o texto completo. E vários outros arquivos para cada um dos capítulos. Edito os capítulos separadamente e vou colando no arquivo geral.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da ansiedade. Da insônia. Da tristeza. Da observação das coisas. Sou muito quieto, tímido, sempre observei muito. Me sinto mal falando, o que me cria alguns problemas, especialmente com as pessoas que eu amo. A timidez me atrapalha a viver, mas me ajuda a observar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje, me permito ser menos matemático, metódico, cartesiano. Antes, precisava organizar direitinho cada momento da história, saber exatamente o que contar em cada capítulo para só depois começar a escrever. Continuo metódico. Mas um pouco menos. Me permito sair das rotas, me perder um pouco.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever uma série com o Vince Gilligan, o criador e showrunner de Breaking Bad e Better Call Saul. Considero ele um gênio: cria, escreve, dirige. Mas, para isso, precisaria ter nascido de novo, começado de outro jeito, ter vivido uma vida diferente. Ou seja, é um projeto que eu gostaria de fazer, mas sei que nunca começarei.
Eu gostaria de ler um livro de um sujeito chamado Ercílio Tranjan. Este livro ainda não existe, o que é uma pena. Quem conhece o Ercílio, sabe do que estou falando.