Marcelo Amado é escritor, autor de Ele tem o sopro do Diabo nos pulmões (2016).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu até gostaria de ter uma rotina mais disciplinada, mas na correria do trabalho como editor e diagramador, não tem como. Os dias correm de acordo com a demanda de trabalho. E, claro, isso influencia a escrita. Só quando sobra tempo mesmo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã e na madrugada são meus horários melhores, que rendem mais. Não tenho ritual, mas gosto bastante de ouvir música enquanto escrevo, principalmente rock… rock pesado (de qualquer subgênero de rock).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou trabalhando em algum projeto específico, que já tem uma meta de publicação definida, tento escrever todos os dias sem fixar tempo determinado. Ainda que não tenha inspiração para continuar o que estava escrevendo antes, eu ao menos retorno ao que escrevi no dia anterior para revisar, reescrever alguns trechos e tentar entrar no clima da história novamente. Algumas vezes continuo dali, outras vezes apenas faço essa revisão e deixo o texto quietinho mais um dia. Se não tenho projeto com data definida, não me obrigo a escrever todos os dias… deixo que flua normalmente, sem forçar a barra. Até porque com o trabalho de editor, a mente no final do dia já está querendo descanso de escrita e leitura, então neste caso não é interessante forçar, ao menos no meu caso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Inicialmente começo a escrever ou pelo menos a fazer anotações num esqueleto de texto, já no editor de textos, com a ideia inicial. Se é um texto que demanda pesquisa, como fiz no meu romance de horror “Ele tem o sopro do Diabo nos pulmões”, que se passa no Século XIX, faço primeiro uma pesquisa mais geral sobre aquilo que já está em mente e no decorrer dos capítulos, à medida que a história vai se moldando, quando necessário retorno às pesquisas para tentar deixar a trama mais rica em detalhes (mas sem exageros, para não ficar cansativa a leitura). Mesmo na fase final de revisão do texto, eu eventualmente confiro as pesquisas ou faço novas, para acertar um ou outro detalhe de um personagem ou cenário.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Isso já foi um problema para mim no início, mas hoje eu deixo rolar solto. É sim, muito importante tentar manter um ritmo de escrita e disciplina, mas nem sempre isso é possível. Às vezes é até tranquilamente possível em relação a tempo e organização de sua vida pessoal, mas os resultados não ficam tão bons. Por isso digo que é essencial você encontrar o seu próprio ritmo e não apenas tentar seguir “fórmulas”. Conselhos e dicas são muito importantes para que você inicie… para que tente encontrar o seu jeito, o seu ritmo, mas depois você acaba se adaptando à sua realidade. Não vejo jeito certo ou errado de se dedicar à escrita. Existe o seu jeito. Mas, novamente reforçando, é muito importante experimentar dicas de quem já está na escrita há mais tempo e tentar manter a disciplina o mais que puder.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não conto quantas vezes… quantas forem necessárias, mas tomando muito cuidado para que não vire um vício e acabe não terminando a história nunca. Sim, mostro para outras pessoas. Geralmente para quem eu sei que tem um senso crítico melhor e que não vá “passar a mão na cabeça” caso ache que o texto não está bom. Mostrar só para ganhar elogios é muito fácil e não vai ajudar em nada quando estiver dando a cara a tapa no mercado. Tem que saber ouvir as críticas e ao mesmo tempo saber quais se deve ouvir. O ideal é procurar um profissional que faça esse trabalho (e com indicações, porque infelizmente tem muita gente no mercado fazendo esse trabalho sem um bom conhecimento).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Em 90% dos casos (ou mais) no computador. Apenas algumas poucas anotações em caderno.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tenho o hábito de ler muito, de tudo… todo gênero, sem preconceito. Do infantil ao juvenil, do horror à fantasia. Quadrinhos, biografias… biografias ajudam bastante a pegar detalhes de locais, épocas, costumes. Não interessa se é uma biografia de um ator, escritor, estadista… vilão ou “mocinho”… se você estiver disposto a ler sem tomar partido, sem se preocupar com ideologias, por exemplo, você capta muita coisa que pode ser usada em suas escritas. Importante dizer: ler muito para se informar e aprender não quer dizer que tenha que sair por aí plagiando histórias ou escrevendo “inspirado” em autor X ou Y, quando essa inspiração nada mais é do que pegar o mundo criado pelo autor e trocar um ou outro detalhe. Isso é enganar o leitor e a si mesmo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ah, eu diria: “Pelo amor… veja se lê direito o que você escreve, com calma, antes de publicar ou mandar para alguém!!! Rapaz, que vergonha! Revisa isso tudo aí e reze para que pouca gente tenha lido!”
A ansiedade de ver o texto publicado logo e a confiança nos “amigos que leram e adoraram” podem causar sérios problemas de confiabilidade no futuro. Às vezes com você mesmo. A maturidade do texto é extremamente importante. Deixar um texto quietinho por um tempo depois que terminou de escrever, voltar a ele bem depois, com a cabeça já “esvaziada da trama”, ajuda demais a melhorar a sua escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu segundo romance de horror, que é, mas ao mesmo não é, uma continuação de “Ele tem o sopro do Diabo dos pulmões”. Vai se passar no mesmo ambiente, com alguns personagens do primeiro, mas poderá ser lido separadamente, sem prejuízo ao entendimento da trama. Por isso mesmo tenho que tomar mais cuidado para também não soltar spoilers do primeiro livro para quem não o leu ainda, ao mesmo tempo em que dou ao leitor que o leu, o gostinho de relembrar algumas passagens. Um tanto complicado, mas chego lá… e ainda tenho que terminar as pesquisas históricas, pois essa trama se passará durante a Grande Guerra (ou Primeira Guerra Mundial). Só estou nas anotações há bastante tempo… e justamente o tempo tem sido meu inimigo.
Livro que eu gostaria de ler e não existe?… Ixi… Sei lá, de repente um escrito por seres de outro planeta. Quem sabe uma comédia ridicularizando a estupidez da nossa “humanidade”?