Marcella Machado é jornalista e pesquisadora, mestranda em Jornalismo pela UFPB.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa com um despertador solar entrando pela janela. Como trabalho em casa, meus horários são flexíveis, então, dedico as primeiras horas da manhã ao autocuidado, ao café da manhã, um rápido banho de sol em uma visita ao quintal enquanto brinco com meu cachorro (Luke). Em seguida, já retorno ao meu quarto, que também é meu ambiente de trabalho para começar as atividades. Geralmente, na noite anterior listo as tarefas e os compromissos. Nem todos os dias são iguais, mas, em geral, esse primeiro turno me permite colocar a vida em ordem para as horas seguintes.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro começar a escrever pela manhã, por volta das 8h, quando a mente ainda está mais fresca depois de uma boa noite de sono. O mesmo sol que me acorda também traz uma iluminação natural sobre a minha mesa e me ajuda a clarear as ideias. Mas a manhã é só o início porque continuo a trabalhar à tarde e só encerro o dia de atividades lá pelas 18h. Adentro pela noite só quando há um volume de tarefas maior, prazos apertados ou quando a escrita está fluindo bem e me recuso a interromper esse processo. Para iniciar um dia de escrita gosto de ter à mão tudo o que for necessário para aquela jornada, desde água para hidratação, até canetas, papéis, anotações e outras referências informativas que utilizarei naquele trabalho. Só quando tudo está posto sobre a mesa, abro a página no computador e começo a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Independente de meu estado emocional e mental, das condições físicas e materiais, a meta é, no mínimo, escrever uma lauda por dia. A produção textual, sobretudo os trabalhos com os gêneros jornalístico-literário e o acadêmico, dificilmente permitem uma escrita prolongada em 24h porque exigem concentração, narrativas bem estruturadas, análise e aprofundamento. Já me sinto produtiva se conseguir desenvolver alguns parágrafos e planejar os passos seguintes.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Trabalho com pelo menos três gêneros de escrita: o jornalístico, o jornalístico-literário e o acadêmico-científico. Todos eles lidam com a realidade, com fatos concretos, fundamentos e contextualização. Um longo e permanente processo de pesquisa, apuração e checagem antecede o movimento de escrita. Quando há entrevistas com personagens envolvidos ou perfilados, a própria transcrição dos áudios já é uma pré-escrita. Reunir dados é fundamental para iniciar o trabalho, mas também tenho uma certa dificuldade em descobrir por onde começar quando tenho diante de mim tantas informações e possibilidades de entrada e desenvolvimento. Sempre quando isso acontece demoro algum tempo, dias ou horas, para decidir qual caminho seguir. Nesses casos, faço um roteiro dos tópicos a escrever e os dados que disponho para executá-los. Essa estratégia resulta em um primeiro rascunho de texto que irei lapidar, aprofundar, preencher e alterar até chegar a uma versão satisfatória na minha autocrítica e autoavaliação.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho a escrita como minha atividade e habilidade essencial. Busco sempre me dedicar ao máximo a tudo que faço e não adiar nada. Isso por si só já desperta a minha ansiedade e me deixa na expectativa pela avaliação futura de meu trabalho. Quando a escrita não flui é inevitável que a insegurança surja no caminho. No entanto, tenho aprendido a não me exigir tanto no trabalho. Diante de dificuldades desse tipo procuro me dar um tempo e me afastar daquela obra. Ainda que eu me aflija e tema não dar conta, esses pensamentos não irão me ajudar a desenvolver o trabalho. Busco sempre me recordar dos textos que já escrevi e da satisfação de tê-los escrito. Geralmente, depois de algumas horas ou dias, já estou fazendo anotações de novas ideias e caminhos, sentindo-me pronta para voltar com a minha produção.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Meus textos não estão prontos antes de pelo menos terem tido três versões, não importa qual o gênero do trabalho. Só depois dessa leitura crítica há a possibilidade de que outras pessoas os leiam. Por mais que me sinta constrangida com a futura avaliação do outro, para mim é importante ter um segundo olhar sobre o meu trabalho, seja de um/a professor/a ou de um/a colega. Entregar um texto para leitura de outra pessoa é um ato de confiança.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nasci na segunda metade da década de 1990 e me considero de uma geração em transição, daquela que viveu antes da popularização do computador e da internet. O papel, a caneta e escrever à mão fazem parte do meu processo produtivo e criativo. Toda a concepção de um projeto, as anotações, roteiros e mesmo quando a escrita não flui em telas, é ao papel que recorro. É como se desenhar as letras de próprio punho me aproximasse mais daquela obra e me ajudasse a entendê-la melhor. Mas escrever em telas tem suas facilidades. O computador, tablet, smartphone e gravador são instrumentos que me auxiliam no trabalho de registro, dos primeiros rascunhos até a versão final.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ler muito, de tudo e sempre, bem como observar e refletir sobre a realidade, os fenômenos, sentimentos e as pessoas são minhas principais formas de manter a mente acesa e criativa. São instrumentos que me ajudam a escrever com mais desenvoltura, tanto os textos acadêmicos, quanto os jornalísticos-literários.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Comecei a escrever profissionalmente durante a graduação em Jornalismo. Escrevi minha primeira matéria muito insegura quanto à estrutura desse tipo de texto. Quando a recebi corrigida, cheia de observações, cortes e alterações, compreendi como seria escrever dali para frente. Nos trabalhos acadêmicos ocorreu algo semelhante. Um texto precisa de amadurecimento, conhecimento e prática. Quando comecei, acreditava que bons autores eram aqueles que conseguiam concluir uma obra na primeira tentativa e que o contrário seria sinônimo de fracasso. Até que percebi que as histórias precisam de tempo e a quem escreve cabe compreender esse ritmo, mesmo que existam prazos apertados. Cada novo texto, cada nova leitura e as sugestões que os acompanha é um aprendizado e um melhoramento importantes a se considerar na minha trajetória.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Interesso-me bastante pelas histórias de vida e por memórias, sobretudo de pessoas mais velhas. Na graduação escrevi um livro de perfis sobre mulheres radialistas pioneiras e um capítulo de um livro sobre magistrados e a relação deles com a arte. Tenho material para escrever uma outra obra, dessa vez sobre jornalistas veteranos que venho pesquisando no mestrado. Em um futuro próximo pretendo ainda realizar trabalhos que envolvam a escrita de perfis, biografias e a pesquisa na temática do envelhecimento.
O escritor Carlos Ruiz Zafón, na série do Cemitério dos livros esquecidos, diz que nós não escolhemos os livros, são eles que nos escolhem. Talvez o livro que eu gostaria de ler e julgo que não exista esteja em um lugar como esse que descreve Zafón.