Marcella Abboud é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho duas diferentes: a de dias de aula e a de dias de folga. Afinal, antes de escritora, sou professora. Dias de aula consistem em acordar muito cedo, me arrumar, preparar meu café e ir tomando pela estrada, enquanto escuto podcasts.
Nos dias de folga, eu prefiro a manhã para escrever ou preparar algo criativo – provas, aulas, palestras. Ai sim, tomo café da manhã com calma, converso com meu noivo, rego as plantas, e, depois de arrumar o espaço onde vou escrever (preciso arrumar antes), eu sento e começo a produzir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De longe, o melhor horário para processos criativos é a parte da manhã. Meu ritual é: café preto e organização do espaço. Não produzo bem em ambientes bagunçados e o processo de arrumar o espaço faz com que eu já entre na lógica criativa e organize, também na minha cabeça, o que eu quero que vá para o papel.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende do nível do problema. O que quero dizer com isso: meu doutorado, com prazo batendo na porta, eu concentrava e afundava. Estabelecia metas e enlouquecia com elas, devo dizer. Em contrapartida, textos para o meu blog, livres, eu escrevo quando der vontade, começo em um dia e termino em outro, sem neuras ou prazos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não é difícil começar, não. A parte difícil, para mim, é o meio. Começar e terminar, acho fácil, e projeto antes do meio. Sempre achei que o maior desafio era deixar o meio de qualquer coisa interessante, já que o início e o fim são interessantes por excelência.
Eu geralmente tenho um intervalo entre o projeto e a ação. Pesquiso, rumino, pesquiso, repenso e, depois de tudo isso, eu escrevo. E escrevo de qualquer jeito, para lidar com a ansiedade. Depois, volto deixando palatável.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com terapia, exercício físico e trabalho doméstico. Revezo longos processos criativos com movimentação do corpo, como academia, cozinhar ou arrumar meus livros.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O mínimo necessário, porque se eu me reler demais, eu desisto.
Mostro para pouquíssimas pessoas: meu irmão, meu noivo e algumas amigas. Eu tenho uma amiga- a Val – que sempre lê tudo. São as pessoas com as quais eu não ligo de me desnudar, me mostrar mais frágil.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
À mão, gente. Computador trava meu cérebro. Preciso de papel antes. Mas pra “render” e produzir muita quantidade, o computador me salva. Sou bem dessa geração metade-metade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu leio muito, desde sempre. Mas acho que minha maior fonte criativa são meus alunos. Por conviver com muita gente, convivo com muitas histórias, o que me faz sempre ter sobre o que pensar e escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria que tá tudo bem se está uma merda. Ser lida não é sobre ser brilhante, mas sobre começar uma conversa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu queria muito conseguir escrever livros infantis, mas acho difícil. Eu queria muito ler uma boa crítica feminista aos principais filósofos da era iluminista até à contemporânea. Beauvoir começou, Butler está continuando. E eu quero cada vez mais.