Manoel Herzog é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O mais comum é começar com alguma mensagem durante o sono. Acordar no meio da noite com alguma ideia para o texto que está sendo trabalhado. Então anoto num bloco de notas da cabeceira, ou mando um e-mail para mim mesmo. Pela manhã, no banho, é comum surgir ideia também, ou no carro, ou ônibus indo para o trabalho. Mas é só no trabalho, depois de cumprida a rotina profissional propriamente (sou advogado) que paro pra escrever, dar continuidade ao romance da vez. E aí sigo a manhã trabalhando nisso, entre um cliente e outro, uma petição e outra. A prioridade é a rotina profissional, que ainda me sustenta. A literatura é feita nas brechas disso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho ritual. De alguma forma consolidei que escrevo bem no escritório, pois é o lugar onde há uma mesa, um computador, etc, ou seja, um lugar de trabalho. Tenho tentando migrar isso pra casa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta. Procuro trabalhar sempre no romance que esteja a escrever, mas isso não é um plano, é uma necessidade, pra coisa não esfriar. As ideias então começam a surgir e a gente se obriga a registrar, é um processo contínuo. Na verdade, gosto muito é de grandes intervalos, ir viajar e dizer “bom, por x dias não vou escrever nada”. Não me agrada a ideia de ter de escrever todo dia. Acho que, na verdade, fujo disso, duas experiências profissionais anteriores, que me obrigaram a trabalhar feito camelo (operário e advogado) trouxeram qualquer ojeriza ao mundo corporativo. Gosto de ócio. Não quero fazer da literatura uma pena, embora ela se faça com pena (de caneta ou de castigo, tanto faz).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começando pelo final: eu na verdade me movo da escrita para a pesquisa. Não traço plano de escrever, vou escrevendo uma historia aleatória, e o enredo vai surgindo, como se o livro estivesse pronto em algum lugar e eu o fosse buscando. Nunca sei onde vai terminar o que começo. Assim, quando vejo que inconscientemente entrei em pontos que demandam pesquisa, aí é que vou pesquisar, para corrigir equívocos já feitos e evitar futuros, ou para dar mais verossimilhança à narrativa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procuro não lidar. Disse procuro, porque meu vicio de escravo antigo, nas outras funções, me persegue. De alguma forma ainda me vejo obrigado a fazer algo, escrever é a bola da vez. Mas quando trava não me policio, acho. É que na verdade nunca trava, vai fluindo. Passei vinte anos sem escrever uma linha, enquanto buscava ser um bom advogado, isso talvez tenha gerado um acúmulo de material literário, que desaguou de uma vez. Então ultimamente sobra material.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Infinitas vezes. Até o texto satisfazer leva muito tempo, sou exigente, quase nunca a primeira prova satisfaz. Mostro para uns dois ou três leitores críticos de minha confiança.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
À mão só se estiver numa situação distante de algum aparelho. Um bloquinho de notas, por exemplo, sempre anda comigo. Guardanapo, papel de pão, etc. Mas geralmente é direto no computador, até versos. No mais das vezes meu auxiliar é o celular, se tenho uma ideia passo um e-mail para mim mesmo. Dirigindo, peço a uma das filhas que anote pra mim o que eu vier a ditar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vêm do vivido, do digerido, assimilado. Não tenho hábitos, mas procuro viver literariamente, enxergar em cada situação inusitada da vida um argumento literário. A vida se torna bem mais agradável, aliás, depois de adotado este procedimento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A gente muda, o modo de escrever muda junto, creio que para melhor. Eu gosto de envelhecer. Fui um jovem problemático, cheio de questões, e uma criança não muito feliz. Agora a cosia está mais suave, e o texto idem. Se eu pudesse voltar, seria menos afoito, publicaria menos, talvez, buscaria menos reconhecimento, e cortaria muito mais o texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quanto ao projeto, não é querer pagar de blasé, eu realmente não sei. Como disse antes, eu começo despretensiosamente, o projeto surge da narrativa, ela é maior. Portanto, sempre o grande projeto é aquele em que eu esteja envolvido. O próximo projeto, nesse tempo, é muito tímido, manda leves sinais, e geralmente é uma decorrência do projeto atual.
O livro que eu gostaria de ler e não existe? Os grandes que morreram não escreverão livros novos. Os grandes vivos talvez estejam velhos e já tenham escrito seus grandes livros, logo não devem fazer o livro que eu quero ler. E os novos estão fazendo sem que eu saiba, ou ainda estão por vir e fazer. Não programo isso, espero, e sei que virá, o novo grande livro para cada geração.