Mamede Said Maia Filho é professor e atual diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia se inicia muito cedo; tenho o hábito de acordar e me levantar logo após as 6h a fim de aproveitar a manhã, pois esse é o período do dia em que me sinto mais disposto e mais produtivo. Mesmo nos fins de semana e feriados sigo essa rotina; afinal, os finais de semana, para qualquer professor, são oportunidades para colocar em dia as pendências da semana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse, o período da manhã é aquele em que sinto mais disposição para trabalhar, embora também aproveite o silêncio das madrugadas para refletir e escrever. É mais frio e confortável. De toda forma, me adapto às necessidades do dia, dedicando-me às atividades no horário que se fizer necessário. Entretanto, evito, se possível, as horas seguintes ao almoço, quando meu relógio biológico está inteiramente dessincronizado. Quanto ao ritual que precede a escrita, normalmente amadureço em mim mesmo o tema, refletindo sobre ele nos lugares e circunstâncias mais variadas. É como se houvesse uma gestação prévia, que vai redundar no ato de sentar à mesa diante do computador, com os pensamentos mais ou menos alinhavados e tendo ao alcance das mãos os apontamentos necessários e uma xícara de café.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias, particularmente em função das atribuições de natureza administrativa que tenho na Faculdade. Nem estabeleço metas diárias, semanais ou mensais. Escrever é expressar aquilo que emerge de dentro, de modo espontâneo. É transformar em palavra escrita o que sinto intensamente, ainda que o resultado final passe por um processo de cortes, correção e reescrita até chegar ao texto que me pareça ideal.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Penso que escrever exige três elementos: reflexão, que ajuda a elaborar criticamente o pensamento; disciplina, no sentido de se estabelecer metas e objetivos; e inspiração, que é algo que se cultiva no próprio processo de escrita. Para mim, começar não é difícil; difícil é desenvolver o texto, alinhavar as ideais, unir os pontos que julgo convergentes, separar os temas que penso deva tratar de forma autônoma. Compilar notas é quase sempre inevitável, mas o processo de escrita tem que ser fluido, espontâneo e intuitivo, de maneira a que o pensamento se deixe levar, ainda que de forma controlada. Uma vez iniciado o texto, os insights vão indicando os autores e obras que devem ser referenciados, para além daqueles inicialmente reunidos. Não parto rigidamente de pontos pré-determinados; já houve casos em que comecei a escrever sobre um tema e acabei enveredando por outro, deixando para uma ocasião diferente o objeto inicial do texto. Isso ocorre porque no processo da escrita muitas vezes passo a considerar algum tópico mais instigante, que atrai minha reflexão mais imediata e adia a pretensão inicial.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É preciso escrever como quem vai compondo música, com preocupação em escolher as palavras certas. Minha ansiedade reside no fato de eu ter muitos projetos em vista mas não ter tempo (e disposição) para concretizá-los. Quanto a não corresponder às expectativas, é preciso afastar a pretensão de pretender agradar a todos. Faz parte da vida acadêmica divergir, argumentar, convencer e ser convencido. O importante é você externar o que acha sem pretender ser dono da verdade e sem podar o direito dos outros de defenderem o que pensam.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Leio o texto incontáveis vezes, não apenas para verificar sua precisão acadêmica, mas também sua fluidez. E nesse processo, como disse, há cortes, mudança de frases, parágrafos e tópicos. Se há algo que não corresponde às minhas expectativas, descarto o que escrevi e parto novamente em busca de um recomeço.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador, mas esse foi um hábito que cultivei lá atrás. Antes da internet, eu pensava que a escrita à mão era mais fiel às ideias, mas hoje tenho uma familiaridade tal com o computador que acho impossível não tê-lo sempre por perto. Diferente da máquina de datilografia, que utilizei bastante, o computador possui memória, e isso é algo extraordinário para quem era obrigado a descartar e guardar papéis em número incontável. Abro o computador várias vezes durante o dia, e sempre me vejo navegando em sites e páginas por puro deleite – em particular páginas voltadas à literatura e ao cinema –, sem maior preocupação com a reflexão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Há temas, problemas e personagens que despertam maior interesse. Ler o que de bom se escreve é sempre inspirador; por isso, penso que quem lê, escreve também. Uma coisa leva a outra, inevitavelmente. Só é criativo quem é capaz de apreciar a criatividade existente nos outros. Por outro lado, o diálogo em sala e as aulas que se ministra acabam por despertar a atenção e o interesse em um ou outro aspecto em particular.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho natural que, com o passar do tempo, a gente vá aprimorando nossa técnica de escrita. Não penso em refazer o que já foi escrito e se tornou de domínio público, mas, se pudesse, procuraria ser mais objetivo e econômico nas palavras. Alguém já disse que escrever é cortar palavras, e essa é uma verdade incontestável.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu projeto é escrever, apenas. Há tantos temas e assuntos que me interessam, sobre os quais penso ter uma reflexão e uma opinião formada, mas que ainda não foram postos no papel… Já se escreveu sobre praticamente tudo, e, quanto aos livros e autores que quero ler, já os tenho alinhavados na minha cabeça. Mas eles são muitos, e o tempo é curto; por isso, é preciso ser seletivo e eleger prioridades. Como disse o escritor angolano Mário Pinto de Andrade, em texto que outros atribuem ao teólogo e escritor Ricardo Gondim, “contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.” É isso.