Malu Jimenez é gorda, filósofa feminista, doutora em Estudos de Cultura Contemporânea na UFMT.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A manhã é a parte do dia que eu gosto muito, me preparo. Gosto de tomar meu café demoradamente, começar meu dia tranquilamente. Quando não vou dar aula de manhã principalmente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A manhã é meu horário preferido para escrever. Depende do que vou escrever: acabei de escrever minha tese que fiquei debruçada pesquisando durante 5 anos, foi muito foco, dedicação, disciplina e tive muita sorte porque pesquisei sobre Mulheres Gordas, Gordofobia, a partir do meu corpo gordo feminino, então tive uma empolgação extra. A tese foi um processo bem importante pra minha vida como ativista, como mulher gorda e como pesquisadora professora, todo essa vivência me deixou muito satisfeita com o resultado, todo esse processo me impulsionou a escrever mais e em outros formatos. Quando escrevo textos para o Todas Fridas em que sou colunista, penso sobre o que quero escrever, e como uma construção do meu ativismo. As poesias já são mais instantâneas, à partir de alguns sentimentos que acesso durante o dia, sempre coloco no celular e às vezes trabalho nela, as vezes sai do jeito que eu gosto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo todos os dias, escrever faz parte da minha rotina, vida. Eu uso a escrita como processo de criação, de cura, de acesso a mim mesma, de transformar dor em criação, cada dia mais tenho me considerado uma escritora artista. Essa semana conheci a ideia da Conceição Evaristo que fala sobre “escrevivência” como ferramenta metodológica na produção, e é muito isso, meu escrever é minha vivência de mulher feminista gorda, filósofa, pesquisadora, sobrevivente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como disse, minha escrita faz parte sempre do que estou vivenciando, na minha pesquisa de doutorado, por exemplo eu sempre escrevia sobre como a pesquisa me afetava e vice-versa, como a leitura, os depoimentos, as observações entravam e saiam de mim. Minha escrita é processo metodológico na construção da pesquisa e vice-versa, a pesquisa caminha junto com a escrita e vice versa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu gosto de escrever, escrever em primeira pessoa tem sido libertador, já tive muito medo de não corresponder as expectativas dos outros, mas entender que minha escrita parte do meu processo de entendimento e do que me afecta é libertador. Hoje minha escrita está muito mais tranquila, minha preocupação é comigo mesma, como conseguir expressar o que vivencio, pesquiso, sinto através das palavras… é uma construção artística mesmo, onde palavras vão se encaixando e fazendo sentido e levando para uma conexão com o outro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Gosto de reler o que escrevi algumas vezes, as vezes uma, duas antes de decidir que estão prontos. Gosto de mostrar meus textos para algumas pessoas, mas nem sempre essas pessoas estão à disposição para ler. Então, nesses casos acabo confiando em mim mesma. Dei o meu melhor. Escrever é prática, quanto mais o faço mais desembaraçada e confiante fico.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação é bem próxima, uso a tecnologia em todo o processo de escrita. Quase não escrevo mais a mão é tudo no celular, computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu cresci sendo estimulada a ser criativa, minha mãe era e é uma artista, sempre nos incentivou a criar, faz parte do meu cotidiano, tanto que acabei levando isso para o teatro, para minhas aulas, poemas, e consequentemente na escrita. Acredito que estar atenta a si mesma, aos meus sentimentos, me ajuda a estar atenta a minha intuição de propor escritas criativas e honestas, no sentido de me sentir feliz e satisfeita com o resultado daquilo que escrevo e comigo mesma, porque na verdade não é só o resultado, é muito além… o processo é algo maravilhoso. Começar a escrever e não saber como aquela proposta vai terminar é uma experiência fantástica.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu sempre gostei de escrever, lembro que gostava de escrever histórias com 8, 9 anos de idade e pintava minhas histórias também, com o tempo a escola, as instituições de ensino foram exigindo uma escrita menos criativa e mais produtiva, regras e métodos em que acabam excluindo e separando as pessoas que conseguem acessar essa estrutura e outros que não. Eu sempre estudei em colégio público, na minha casa não existia uma cobrança da educação formal, então minha adolescência e na faculdade acabei me afastando desse tipo de escrita criativa, e como consequência acabei achando erroneamente que eu era muito ruim na escrita, porque não tive base na formação estrutural da língua portuguesa, sempre tive muitas dificuldades e ainda tenho dentro dessa proposta. Quando no Mestrado comecei a escrever em primeira pessoa fui libertada e hoje me considero uma escritora potente, encontrei minha escrita como parceira e não como opressão.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu estou me preparando para o pós-doutorado, quero me aprofundar nos novos feminismos e na sexualidade como proposta política com os corpos feminismos gordos, estou gostando muito de estudar essa temática. Gostaria de ler um livro que falasse sobre o universo gordo no Brasil, nome que já tenho inclusive Gordosfera.