Maíra Zapater é doutora em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP e professora de Direito Penal, Processual Penal e Direitos Humanos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Para mim é indispensável a leitura do jornal impresso no café da manhã. Leio também algumas matérias online.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A descoberta do melhor horário para trabalhar aconteceu depois de alguns anos trabalhando em escritório em casa, situação que permite maior flexibilidade de horário e testar alguns modelos de rotina. Para mim, o pico de produtividade acontece entre o final da tarde e o início da noite. Sempre que possível, me organizo para concentrar as atividades de escrita neste período do dia. Como moro em uma região que por vezes é bastante barulhenta, adquiri o hábito (que não sei se chamaria de ritual) de ouvir música binaural, específica para concentração/foco com fones de ouvido grandes (há várias playlists desse tipo disponíveis em plataformas online, ou mesmo no Youtube).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meu ritmo de escrita varia muito em função do tipo de texto que estou produzindo: no ano passado, por exemplo, estava escrevendo um livro didático, o que não exigia a compilação e tratamento de dados, seguida da reflexão sobre esse material para posterior escrita (como ocorre em um texto resultado de uma pesquisa acadêmica empírica), mas havia uma determinada quantidade de páginas a atingir e um prazo relativamente curto a cumprir com a editora. Isso fez com que eu organizasse períodos concentrados para escrever em feriados prolongados durante o semestre letivo, e todos os dias durante o recesso de julho, com metas diárias de escrita.
Mas essa rotina se altera quando vou escrever a partir de dados, o que exige outro tipo de reflexão (como ocorreu com a minha tese de doutorado, ou no meu momento atual, em que estou em curso de pesquisa de pós-doutorado): quando estou trabalhando em textos desse tipo, aprendi que preciso contabilizar na programação períodos como uma tarde, ou um dia inteiro de distanciamento do texto e do material para poder produzir os insights necessários a partir dos dados compilados e sua articulação com a bibliografia (que sempre leio com a elaboração de fichamentos escritos).
Há ainda a rotina de produção de artigos curtos, como os que escrevo para portais: no caso do Justificando, onde mantive coluna quinzenal de forma praticamente ininterrupta entre 2015 e 2019, meu objetivo era justamente de manter o hábito da escrita regular, o que envolve a escolha de um tema, uma breve pesquisa a respeito e a elaboração de um texto sintético, em um prazo de poucos dias. Atualmente a coluna está em pausa em razão das atividades do pós-doutorado, mas espero retornar em breve, pois o exercício de me comprometer a produzir um pequeno texto (em geral, cerca de 4 laudas) a cada 15 dias foi fundamental para “manter a forma”.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do tema e da inspiração! No caso das colunas para portais, aconteceu por mais de uma vez de um determinado tema me afetar de tal maneira que foi praticamente inevitável sentar ao computador e escrever três ou quatro páginas de uma sentada só (claro, sempre contando depois com uma releitura para revisar e refinar a escrita).
Em textos acadêmicos (como artigos para revistas especializadas, relatórios de pesquisa, tese de doutorado, livros etc), costumo fazer como rascunho um esquema escrito em papel com tópicos contendo os principais argumentos/pontos que pretendo abordar (argumentos e pontos estes que podem ser extraídos de dados de pesquisa de campo, quando for o caso). Feita esta organização preliminar das ideias, passo para a pesquisa bibliográfica específica de cada um dos tópicos colocados no esquema. Sempre que possível, prefiro fazer o fichamento, que pode ser à mão ou no computador, a depender do texto ser impresso ou digitalizado.
Após o fichamento da bibliografia, costumo fazer a pausa para “digerir” a leitura (para mim, o ideal é retomar a escrita na manhã seguinte). E então começo o rascunho do texto propriamente dito, articulando as leituras da bibliografia com a estrutura de tópicos feita na organização preliminar das ideias.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
De todos estes, a procrastinação é, para mim, o mais difícil de lidar. E a razão me parece simples: tem momentos em que simplesmente não tenho vontade de escrever! Seja por cansaço, seja por querer fazer outra coisa. Sempre que possível, acho importante respeitar isso e fazer uma pausa – o que nem sempre é possível, em especial quando lidamos com prazo. E aí não tem jeito: o que costumo fazer, nessa situação, é sentar e começar a escrever, mesmo que fique um texto fraco, mesmo que a linguagem não seja ideal. Funciona como um aquecimento, que acaba dando uma energia para produzir o necessário (ainda que não o ideal) no prazo estabelecido.
E aqui já faço a relação com esse “medo de não corresponder às expectativas”: ter estabelecido para mim mesma o hábito de escrever no meu blog (entre 2013 e 2016) e em portais com determinada periodicidade me ajudou a lidar com o fato de que, por vezes, precisaremos entregar um texto que ainda não está no ponto que julgamos ideal. Sem estabelecer um prazo, acredito que a tendência da maioria das pessoas que escrevem seja de ficar retocando, repensando…e isso leva a um trabalho sem fim. Aceitar que, muitas vezes, entregaremos um trabalho escrito que não está no nosso ideal, ajuda muito a lidar com essa questão da expectativa. Aprendi que um texto sempre pode ser melhorado, e isso não é algo ruim. Pode ser muito rico reconhecer que nossos trabalhos anteriores poderiam ser aprimorados: significa que progredimos desde então.
Quanto aos trabalhos longos: prefiro os prazos maiores do que os curtíssimos! Gosto de poder parar para pensar, refletir e conversar a respeito do que estou estudando e escrevendo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Gosto muito de aproveitar oportunidades como rodas de conversa, grupos de pesquisa, ou contato com colegas (mais experientes – como orientadores ou supervisores de pesquisa – ou não) para que estes leiam e discutam o meu texto, assim como gosto de participar de atividades desse tipo com textos de outras pessoas. Na imensa maioria das vezes foram experiências que enriqueceram muito o meu trabalho.
Quanto à minha própria revisão, não leio mais do que duas vezes quando sinto que o texto está pronto. Preciso de um tempo de distanciamento do que escrevi para poder reler com “olhos limpos” e fazer alguma alteração que, de fato, faça diferença no resultado final. Ao menos para mim, ficar relendo indefinidamente transforma a escrita em um trabalho sem fim…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Apesar de usar o computador para escrever e arquivar meus textos, ainda não consegui me desvencilhar dos rascunhos à mão. E nem sei se pretendo me desvencilhar, já que isso funciona tão bem para mim…enquanto houver papel de rascunho, escreverei e rabiscarei neles!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De muitos lugares! Filmes, livros, conversas minhas ou ouvidas de passagem na rua… Tenho um bloco de anotações na minha mesa de trabalho onde anoto esses insights, e, se não estou na minha mesa, mando um email para mim mesma com a ideia que tive. Muitas dessas anotações e emails se transformaram em textos e pesquisas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Esse processo de fazer um rascunho à mão em papel, que vai sendo “preenchido” com as reflexões feitas a partir dos dados e da bibliografia, é mais ou menos o mesmo ao longo dos anos. Mas acho que diria a mim mesma para não ter tanta certeza sobre todos os argumentos, e que formular perguntas pode ser bem mais instigante do que procurar respostas. Fazer pesquisa empírica e produzir textos a partir dela é, antes de mais nada, um exercício de humildade: muitas vezes a hipótese que formulamos não se confirma no campo, outros elementos surgem, e se não estivermos abertos para essas mudanças de trajetória, o processo de escrita pode se tornar angustiante. Mas aceitar que os dados encontrados (ou outras opiniões confrontadas) podem nos levar a outros caminhos pode tornar o processo de transformar isso em texto em um atividade muito instigante e extremamente prazeirosa.
Por fim, diria a mim mesma e a qualquer um que escreva: textos devem ser gostosos de ler, sempre podem ser saboreados, mesmo nos temas mais áridos. Texto hermético não é sinônimo de qualidade de escrita. E texto agradável de ser lido não é sinônimo de superficialidade. Texto tem que chegar ao leitor!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projetos de escrita são muitos: retomar o hábito de colunas em portais, livros sobre temas de Direito pouco abordados…esperando começar em breve!
Quanto ao livro… que pergunta boa! Acho que, no momento atual, gostaria de ver uma nova leva de ficção de terror (um dos gêneros literários que mais me entretém!), como houve nos anos 1970. Precisamos da ficção para viver e entender o que vivemos!