Mailson Furtado Viana é escritor, autor de “à cidade”, vencedor do prêmio Jabuti de melhor livro do ano de 2018.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Semanalmente (de segunda a quinta), tenho uma rotina apertada voltada ao trabalho como dentista, atendo com servidor público na cidade de Reriutaba, localizada a 12km de minha cidade, Varjota, onde atendo à tarde entrando pela noitinha em um consultório particular. À noite, o tempo é voltado para arte, principalmente às atividades do grupo de teatro que participo, quando não, para saídas com amigos e família geralmente para conversar e planejar assuntos artísticos. No entremeio disso tudo, há tempo para leituras, pesquisas e escritas, sempre de forma fluída e espontânea.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho nenhuma pontuação sobre momento ou outro para escrever, minha escrita surge de forma espontânea em qualquer momento ou lugar e sempre é um ato fluído. Quando vem, no entanto, rebato tudo o que tiver por fazer para ofertar atenção necessária, mesmo com todos os afazeres ‘formais’ da vida. O que me toma de fato tempo, é o lapidar textual, que n’alguns trabalhos já perduraram anos, para esse tipo trabalho os disponho de acordo com o tempo que vou tendo, desimportando tempo/espaço ou ritual de afazeres.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, não. É totalmente esporádica a minha produção, digo que espontânea, não atuo na escrita com a premissa de trabalho ou profissão, mas com a importância de ser/ter uma voz de um porquê artístico, e dentro disso, abraço-a muita responsabilidade e cuidado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minha escrita poética é bem espontânea, e beira o consciente/inconsciente. Como sou um leitor e expectador de arte com temáticas de amplo espectro, muitos trabalhos acabam por me marcar e ficam comigo. Delas, monto teias de referências, e daí acontece minha escrita, talvez esse seja meu processo de pesquisa. Mas, claro, tais referências acontecem de forma fluída e vão puxando umas as outras, quando então acontece o momento do ‘estado poético’, termo abordado por Ferreira Gullar, necessário para escrita, elas aparecem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo ‘sofrer’ com tais questões, visto como já apresentei, minha relação com a escrita ser muito mais uma preocupação artística, que profissional (esta, pautada em rotina), e assim, as coisas acontecem.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o número de vezes que achar que pode haver algo a corrigir (e sempre há!). A necessidade de visão externa é fundamental pra mim, e não consigo produzir hoje sem este exercício, envio pra muitas e muitas pessoas, logo nos primórdios da produção, e a partir das análises o trabalho vai se construindo à zil mãos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto do papel para o rascunho inicial, logo depois vou ao computador. Tenho uma relação bem ‘cordial’ com a tecnologia, sou de uma geração que ela é parte fundamental da vida, e por conseguinte, do processo de escrita. No entanto, para criação literária, ainda prefiro o papel, por uma pauta branca pra mim ser um mar inesgotável de possibilidades, sensação que os equipamentos digitais não me ofertam (algo pessoal, talvez), talvez pelos espaços de fuga muito próximos em um mesmo lugar -, programas, sites, aplicativos -, acabo por sentir que é um lugar onde pode haver tudo, quando pode não haver nada, e isso acaba por me desviar do produzir. Uso o computador e os portáteis para trabalhos de edição, divulgação e mais todo o processo pralém do escrever, e assim sou amigo dos dois.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Talvez o único hábito de criação que possua, seja com as vivências com meu grupo de teatro, delas muitas convergem/divergem para versos. As ideias vêm das experiências de vida, principalmente, e muitas, de motes de leituras e outros experimentos artísticos, como exposições, apresentações musicais, e tantas e tantas e tantas. Sou um profundo observador da cinética/imagética dos seres/lugares, este é o meu maior laboratório.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Claro, mudei muito, e fundamentais que mudanças aconteçam. Muitas se deram pelas referências sempre a se renovar a cada experiência artística ou mesmo de vida. Somos um amontoado de referências. E caso voltasse hoje, aos meus primeiros dias, claro que colocaria tudo da melhor forma que pudesse, no entanto, naquele instante, aquilo era o meu melhor e sinto-me extremamente satisfeito por tudo que fiz e da forma que pude fazer, a vida acontece assim.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que a gente escreve sempre aquilo que gostaria de ler, daí o livro que gostaria de ler sempre será o próximo que escreverei, e daí o próximo projeto, sempre estar para se começar.