Mahana Cassiavillani é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Apesar de me considerar uma pessoa meio caótica tenho uma rotina matinal extremamente rígida. Eu acordo todos os dias às 6h30, tomo duas canecas de café com leite de amêndoas (sou intolerante à lactose) e cigarros. Depois, ponho as lentes, sem elas quase não enxergo, aí é como se começasse o dia. Tomo meus remédios para bipolaridade, lavo a louça, seco a louça, guardo tudo, varro a casa e tomo banho. Então estou pronta para trabalhar. É estranho, se, por acaso, minha mãe quebra minha rotina e faz alguma das minhas tarefas, me sinto atrapalhada, é como se o dia tivesse começado errado. Muito raramente isso muda. Às quintas-feiras, publico um vídeo sobre literatura no meu canal “Mahana conta uma história”, aí parece que a rotina pode mudar. Faço isso bem cedo. Tenho pouquíssimos views, mas o prazer de falar e viver a literatura me fazem continuar. Amo fazer esses vídeos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sei se tenho uma hora do dia em que trabalho melhor, mas definitivamente não produzo à noite. Geralmente as ideias vêm de manhã e à tarde. Também não tenho um ritual específico. Alguns escritores têm, se sentam em lugares e horários específicos, com alimentos específicos, mas comigo não é assim. São ideias que me vêm à mente e que ficam martelando, martelando até que eu escreva. É como se não pudesse fugir, quando elas surgem é como se me perseguissem.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não escrevo todos os dias, nem tenho uma meta de escrita diária. Como disse, tenho ideias que surgem e me assombram e, enquanto não as colocar no papel, não tenho sossego. Costuma ser o início ou o fim de um conto ou capítulo. É estranho, simplesmente vem uma ideia que fica, fica e fica. Foi assim com meu primeiro romance, que estou escrevendo “Vanessa vai ao psiquiatra”. O último capítulo surgiu (ele tem apenas uma frase) e eu precisei começar a escrever. Se não escrevo, a ideia não vai embora. Tenho grandes períodos de falta de ideias em que me preocupo e acho que nunca mais vou conseguir escrever. Depois, tenho períodos de grande inspiração, em que chego a escrever três contos por dia. De certa forma, é uma tortura. Não saber nunca se a inspiração vai voltar. Acho que gostaria de ser mais como aqueles escritores e escritoras metódicos, que se sentem e se obrigam a escrever, como um ofício mesmo. Por outro lado, não quero que a escrita seja mais um “trabalho”, então o fato de me sentir inspirada me faz bem. Passo muitos dias pensando que preciso escrever e acho que isso influencia o meu inconsciente e aí a ideia chega.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como eu disse, meu processo de escrita é meio caótico. É uma ideia que surge e me consome, então eu escrevo obstinadamente. Geralmente quando surge a primeira frase, já tenho o final do que quero escrever, mas, às vezes, o fim também vem no meio da escrita. É muito raro, depois de ter a ideia preliminar, ficar parada, sem saber o que escrever ou como terminar. Começar não é difícil porque a ideia inicial vem como um raio de luz. Ter a ideia é que foge ao meu controle. Quanto à pesquisa, ela quase não existe. Acho que isso tem a ver com o tipo de literatura que faço. Já escrevo sobre o que sei. São questões psicológicas, familiares, que vivo cotidianamente, então é como se as travas já estivessem desativadas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não existe procrastinação no meu trabalho. Existe, sim, uma ânsia de escrever que mal consigo controlar. Meu livro “O caminho da serpente” foi escrito em quatro meses, os quais passei no hospital com a minha avó. O ambiente suscitou questões familiares muito profundas e a escrita fluiu, simplesmente aconteceu. Foi como um jorro. O medo de não corresponder às expectativas está sempre presente, mas não durante a escrita, só posteriormente. Quando a gente publica um livro sempre se questiona, ainda mais escritores independentes que acabam vendendo mais pra amigos e recebem pouco feedback. Mas posso dizer que, dentro dessas limitações, tenho sido bem-sucedida e fico feliz pela reação que meus livros causaram.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso meus textos obstinadamente. Como, quando escrevo, eles vêm num jorro, mexo neles bastante depois da primeira finalização. São muitas leituras em vários dias diferentes, às vezes com grandes, às vezes com pequenas, modificações. Eu tenho uma amiga escritora, a Viviane de Freitas, acho que ela já foi entrevistada aqui, que sempre lê as coisas que eu escrevo. E eu sempre leio o que ela escreve. Costumo dizer que ela é minha irmã de literatura. Minha mãe também lê, mas é uma leitura de mãe, né? Ela acha tudo lindo ou então reclama que eu estou falando sobre a família. Minha irmã costumava ler bastante meus textos também, mas cada vez menos mando pra ela. Vida corrida.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu utilizo o Word pra escrever, não manjo muito dele, mas odeio escrever à mão. Parece que não dá tempo de por as ideias no papel. Elas vêm muito rápido.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da minha vida pessoal, do que sinto e do que vejo à minha volta. Até agora, a maior parte do que escrevi está intimamente ligado à minha vida e a tudo que passei. Não cultivo hábitos para me manter criativa, nem saberia como fazer isso, gostaria que alguém me ensinasse. Rsrs. Acho que o mais importante é realmente olhar o mundo à sua volta. Prestar atenção nas pessoas, nas pequenas coisas e em você mesmo. Eu acho que, mesmo que um autor escreva sobre um dinossauro em Marte, ele está, de certa forma, escrevendo sobre si. A escrita é ensimesmada, mesmo quando parece não ser.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sou uma escritora jovem, publiquei meu primeiro livro em 2017, apesar de tê-lo começado em 2013. Mas o que percebo é que estou conseguindo sair do meu mundinho. Antes, minhas personagens eram todas femininas. Agora estou começando a escrever personagens masculinas com propriedade também. Não é porque sou mulher que só posso escrever sobre mulheres, né? Então estou abrindo minha visão de mundo pra outras realidades. Acho que isso tem a ver com uma mudança pessoal pela qual passei, que foi muito difícil, mas que me ajudou a ver os homens de outra forma. O que acontece na nossa vida reflete na nossa escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na verdade, há algo que eu gostaria de desfazer, mas não posso. No meu primeiro livro “Deus é bom e o diabo também”, há um conto chamado “Pai”. Nele, eu falo sobre monstros. Minha relação com meu pai se deteriorou muito durante minha adolescência e vida adulta. Foi só pouco antes de ele ficar doente (ele morreu de um câncer muito agressivo) que começamos a nos reconectar. Eu gostaria de não ter escrito esse conto. Acabei escrevendo muito mais sobre ele sob outros vieses. Com amor, que foi o que aprendemos com sua doença. Mas o que está feito está feito e as palavras cruéis que coloquei no papel vão ficar lá para sempre. Eu espero que ele me perdoe e que o leitor entenda de onde eu vinha e para onde fui ao ler meus textos. Também espero que todos saibam que, agora, entre meu pai e eu, só há o amor.