Lulina é compositora, cantora e autora do Livro das Lamúrias e de alguns contos, poemas e crônicas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho como rotina acordar cedo durante a semana e começar a trabalhar. Quando posso me dar ao luxo de ficar uns minutinhos na cama ao acordar, é o momento que mais gosto de usar para escrever e compor, antes mesmo do dia oficialmente começar. Pego o que tiver à mão (normalmente o celular ou um caderninho na cabeceira) e começo a anotar ainda deitada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo render mais pela manhã. Mas tenho uns picos de inspiração relacionados à momentos de relaxamento, normalmente pouco antes de dormir e logo depois de acordar. Também costumava ser bastante produtiva em momentos de ressaca, mas só quando era mais jovem. Já sobre rituais de preparação, não tenho. O mais próximo disso seria ter uma boa canequinha de café de vez em quando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta fixa, mas gosto de escrever qualquer coisa todos os dias, só para manter a frequência. Pode ser uma frase, um verso, às vezes uma música, um poema, uma ideia para conto ou livro infantil. O problema é que muitas vezes anoto em lugares diferentes (celular, computador, cadernos, post it, verso de boletos, marcador de livro, etc) e acabo perdendo muita coisa com essa desorganização. Mas aceitei que meu método é assim meio caótico mesmo. Tenho sacolas onde reúno pedaços de papéis com ideias antigas, que nem sempre volto a visitar. Quando tenho um projeto específico em desenvolvimento, estipulo algum tempo de dedicação por dia, mas sem uma meta definida de produção de texto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como o que mais escrevo é música, muitas dessas anotações já são canções praticamente prontas, então não há tanto trabalho de escrita depois de compiladas, apenas uma pequena edição. Quando o que escrevo são poemas, aí sim precisa de mais edição e de muitas leituras para ver se sobrevivem à essas primeiras anotações. E quando tento escrever um projeto maior – um conto ou uma ideia de livro infantil – aí é mais difícil começar pra valer: sentar, juntar tudo, ver o que sobrevive, escrever, reescrever, editar, deixar descansar uns dias, retomar, às vezes abandonar por meses, às vezes avançar rápido, às vezes abandonar de vez.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com as travas da escrita, eu lido com paciência. Escrevo, reescrevo, tento ao máximo, até cansar. Depois tento mais um pouco, quando já estou cansada. Se não há um prazo para a entrega do projeto, então me permito deixar a ideia descansar um bom tempo. Esse equilíbrio entre esforço e não esforço costuma ser muito produtivo para mim, mas precisa de paciência, de abrir mão do controle sobre o processo. Se me permito perder para mim mesma e aceitar meu fracasso diante do meu próprio bloqueio, a coisa flui e o bloqueio desaparece. Tem um poema do Bruno Brum que fala disso, desse processo de esforço e de relaxamento, onde ele exercita escrever dois livros de poemas ao mesmo tempo: um levado a sério, bem pensado, e outro só por diversão, em paralelo. No final, ele joga fora o que era sério e publica o outro. Com a procrastinação também tento lidar com paciência, procurando entender a diferença entre uma fase de cansaço e outra de preguiça mesmo.
Já sobre o medo de não corresponder às expectativas, eu lido com impaciência. Não acho que conseguimos produzir algo muito bom sob influência do medo. Não tem coisa mais prejudicial à autenticidade e à criatividade do que o medo de errar. Sentir medo é o erro. Se eu estou em um momento de muita insegurança, prefiro não escrever, ou escrever exatamente sobre esse medo. Olhar pra ele e ser verdadeira ao assumir o que está acontecendo comigo. Mas escrever pensando demais no resultado eu acho que acaba limitando as descobertas no caminho, então tento não criar muita expectativa na hora da escrita, tento não calcular muito onde quero chegar e não pensar demais se vão gostar – porque talvez nem eu mesma goste, só vou saber escrevendo e sem medo de onde vou acabar.
Sobre a ansiedade de trabalhar em projetos longos, confesso que não tenho experiência de projetos maiores com literatura. Só participei com crônicas, contos e poemas em algumas coletâneas e exposições, que tinham prazos razoáveis, nada que gerasse ansiedade. Mas imagino que para um escritor que recebe uma bolsa e que tem um prazo com uma editora, por exemplo, deve ser mais difícil lidar com a ansiedade dessa entrega. Na música, posso levar de alguns dias ou meses até mesmo muitos anos para resolver um disco. Mas como não me coloco prazos muito fixos para essa resolução, a ansiedade acaba se diluindo no processo e o próprio atraso acaba dando uma canseira na ansiedade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando é letra de música, reviso pouco: basta uma cantarolada com a melodia criada, para ajustar quando necessário alguma coisa da métrica e pronto. Quando é poema ou um texto maior, aí vão muitas e muitas leituras e edições, perco até as contas. Deixar o texto dormir uns dias é importante para achar ainda mais problemas nele. Costumo mostrar para o meu marido antes, ou para algum amigo próximo que esteja por dentro do projeto específico.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo com o que estiver mais próximo de mim: pedaço de papel, celular, caderno, computador. Às vezes abro um arquivo de word para escrever sobre uma coisa e acabo escrevendo sobre outra. A tecnologia na maioria das vezes me ajuda, facilita o registro de melodias com o gravador no celular, de letras e poemas com o bloco de notas do celular, além do momento word que é o de sentar e escrever com maior concentração, isso eu só consigo no computador. Mas os rascunhos costumam surgir mais no lápis, caderno e celular. No caso da música, em 2019 lancei um disco, por exemplo, que foi na maior parte criado em cantaroladas no celular, com muitas letras e melodias surgindo principalmente durante o banho. O disco, que se chama “Desfaz de conta”, tem até uma música em homenagem à esse novo processo descoberto, chamada “Banheiros produtivos” e que foi realmente criada, registrada e lançada como uma gravação de celular no banheiro.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Tento sempre que possível ver, ouvir e fazer coisas novas, para inspirar. Tenho umas “fases de interesse”, onde me dedico a leituras e pesquisas, explorando novos assuntos ou me aprofundando em outros que já gosto. E tenho outras fases mais ativas, onde produzo bastante. Fico alternando entre essas fases e uma outra de descanso, onde escuto bastante música e tento pensar menos e relaxar mais – importante para o processo criativo não ser tomado de ansiedade. Mas se você se deixa inundar diariamente por conteúdos interessantes, especialmente novidades que expandem seus interesses, naturalmente você é assaltada por ideias a qualquer momento, em qualquer uma dessas fases.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje eu não tenho tanto tempo livre quanto tinha antes, que eu usava para composições mais despretensiosas e experimentais, em encontros descontraídos com amigos. Agora o processo é mais solitário ou em parcerias muito práticas pela internet, porque viramos todos adultos muito ocupados e preocupados. Toda essa abordagem mais funcional e utilitarista do tempo tira bastante da poesia e limita um pouco as descobertas, então eu diria para mim mesma lá trás para não abandonar totalmente esse não-processo, que inclui vagar aleatoriamente pelos pensamentos mais absurdos, abrir mão de vez em quando do “controle de qualidade”, não ter tantos planos e objetivos, se permitir não fazer nada mais vezes (e de preferência na companhia de pessoas queridas) e fazer mais coisas onde não se espera nenhum retorno, nenhum resultado. Por alguns anos eu acho que perdi um pouco disso e agora retomei esse não-processo como parte do processo, o que me deixa muito feliz.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O próximo disco da minha banda infantil (Babá Eletrônica), não vejo a hora de começar esse projeto. E o livro que eu gostaria de ler e ele ainda não existe é o futuro livro da minha irmã, Duda Lins, que tem um grande talento para fanfic.