Lula Falcão é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Trabalho na madrugada. Meu dia começa à tarde, quando escrevo para sobreviver financeiramente – frilas em geral e roteiros. Só depois do jantar começo a escrever ficção, por outras necessidades. Não consigo pegar no sono se não escrever. Nem que seja uma frase. Muita coisa vai para o lixo (uma pasta no desktop chamada “lixo”). De vez em quando volto ao lixo para canibalizar alguns textos, pegar peças de reposição para um conto e até alguns personagens que irão se encaixar em outras histórias. Tem gente que acha isso muito errado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação, para a escrita?
Em redações de jornais gostava de barulho. Sem barulho não escrevia. Agora, longe do jornalismo, prefiro o silêncio. Mas não tenho rituais. Sento, escrevo e pronto. Se a coisa não evolui, deixo de lado, vou para o twitter arrumar confusão com eleitores de Bolsonaro; ou vou para os jornais estrangeiros. Não só os grandões – New York Times, El Pais, Le Monde -, mas também publicações de lugares remotos. Tenho curiosidade em saber o que é notícia em Goa, por exemplo. Se não entendo a língua (só leio em espanhol e inglês) recorro ao tradutor Google. Quebra o galho. Nem sempre é o horário que determina o que escrevo, mas o espaço. Gosto de escrever no Recife e em São Paulo. Não tenho uma explicação para isso. Pode ser TOC. Só sei que se me recolher a uma praia ou a um sítio, com o objetivo de escrever, não sai uma linha.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta. Posso passar o dia inteiro e só produzir uma frase. Há uns anos, no entanto, sentei para escrever uma frase, que tinha pensando na hora do almoço, e saíram as primeiras vinte páginas de um livro – Iberê Segundo Paulo -, publicado em 2013.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O primeiro parágrafo é o mais importante. Se achar bom, prossigo. Caso contrário jogo na pasta “lixo” e começo outro e mais outro. Tenho uma coleção de primeiros parágrafos de livros. Um dia publiquei em meu blog uma seleção dessas ideias abandonadas chamada “Personagens desnecessários”. Anoto muita coisa e costumo pesquisar se aquilo já foi usado antes. Dia desses li uma história de Carlos Fuentes que eu tinha pensado. Ele pensou antes. Até então eu nunca tinha lido nada de Fuentes. Depois de tantos séculos de literatura, não é fácil pensar algo verdadeiramente inédito.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O pior medo é quando dá branco. Penso que é para sempre. Penso até que pode ser consequência da idade, o fim. Sempre acontece no caso de um romance porque sempre há momentos em que tudo se complica, normalmente quando surgem muitos fios não amarrados ou a armação desses fios é feita de forma apressada e artificial. Nessas horas é melhor parar e ir para um bar. Não bebo, mas frequento bares.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Mostro, mas só os que considero bons. Nesse caso, se a pessoa não gostar eu posso discordar dela. Reviso várias vezes, mas sempre encontro erros. Especialmente depois da publicação. Existem dois erros no meu livro “Iberê Segundo Paulo”, descobertos por uma amiga. Só pedi que ela não contasse para ninguém.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não tenho dificuldades com a tecnologia. Muitas vezes escrevo no bloco de notas do celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não acredito que alguém possa escrever sem ter lido muito ao longo da vida. No meu caso, ler é um hábito que vem desde criança porque meu pai era um leitor voraz, especialmente dos russos e franceses. Mas sempre procuro conceber alguns textos a partir de ideias que considero incomuns no comportamento humano; ideias não intuitivas, personagens que se comportam fora do padrão do mundo que vemos, como se eles fossem partículas elementares, bichinhos incertos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou escrevendo há muito tempo um livro chamado “1979” – é a biografia de um ano. Gostaria de ler um livro ambientado no período anterior ao Big-Bang. Eu mesmo tenho algumas anotações sobre esse tema.