Luize Valente é jornalista e escritora, autora de Sonata em Auschwitz.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de acordar cedo e caminhar com Bebel, minha vira-lata, antes mesmo de fazer o café e ler as notícias do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tenho fases, bem opostas. O livro mais recente, Sonata em Auschwitz, escrevi, na maior parte do tempo, de madrugada. Já o anterior, Uma praça em Antuérpia, escrevi, majoritariamente, de manhã. Não dispenso uma caneca cheia com café com leite ou chá, ao lado do computador. Geralmente escuto músicas, as que elejo para os personagens.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas diárias, mas trabalho com prazos. Tem sido opção minha assinar contratos com data de entrega. Herdei o hábito dos deadlines das mais de duas décadas de ofício no jornalismo. Costumo escrever mais em períodos concentrados. No entanto, como romancista histórica, a pesquisa é parte integrante do meu processo de criação. Portanto, quando não estou escrevendo, estou pesquisando, seja para o livro atual, seja para futuros projetos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O que faço primeiro é escolher um recorte, uma situação, um fato, uma informação que me instigue, que me emocione, que mexa comigo. Vou citar como exemplo meu último livro: Sonata em Auschwitz. Decidi que escreveria sobre o extermínio dos judeus húngaros, mais de 300 mil em menos de oito semanas, no fim da guerra. Mas qual seria o ponto de partida da minha história? O que a faria única? A partir daí, começa meu processo. E é assim com tudo que escrevo. Direciono e intensifico as pesquisas. Converso com especialistas e, quando possível (como no caso do Sonata), com pessoas que viveram na época. Mergulho até que algo que leia ou escute me dê um start. Ao mesmo tempo, vou montando um quadro com datas e fatos históricos para o pano de fundo. Quando finalmente encontro o caminho que quero seguir (no caso do Sonata, surgiu a partir do relato de uma sobrevivente que teve um bebê em Auschwitz, imediatamente levado para a morte por um soldado alemão. A minha história nasceu de uma pergunta: e se o soldado tivesse escolhido salvar a criança?), começo a visualizar a trama e os personagens. O quadro, na parede, vai aumentando. Juntam-se mapas, desenhos, perfil dos personagens, os caminhos da trama. Parece caótico, mas é o que me guia. Com tudo à frente, monto primeiro uma sinopse, bem “amarrada”. Depois estabeleço o narrador ou os narradores e começo a escrever. Outro ponto fundamental para a minha escrita são as viagens. Minhas histórias são muito visuais. Gosto de fazer os caminhos dos personagens, mesmo que eles tenham vivido em outros tempos. Os locais permanecem. Fotos e filmes me ajudam nas reconstituições.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Amo escrever, mas não é um hobby, é um trabalho. Um trabalho que exerço com muita paixão. E, como qualquer trabalho, exige disciplina, compromisso. Tem dias em que se está mais concentrado, outros menos. Mas estamos sempre lá! Algo que me ajuda muito é o exercício físico. No meu caso, a corrida. Corro desde que tenho catorze, quinze anos. Muitas das ideias e soluções me vêm à mente quando estou correndo. Também estabeleço prazos. Quanto às expectativas, existe sempre uma tensão positiva. Escrevo para o leitor e gosto muito de receber feedback.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dezenas. Reviso enquanto escrevo e depois de terminado, dezenas de vezes. E, com certeza, mostro. Aliás, é importantíssimo mostrarmos para outros leitores, além do editor, e saber ouvir comentários e críticas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Costumo fazer notas à mão (em cadernos, post-its, folhas avulsas) o tempo todo, que consulto no período em que estou fazendo o livro… mas escrevo mesmo é no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de tudo que leio, converso, observo, escuto, vejo… e que me emociona, me toca. Estou sempre atenta às conversas à minha volta, a uma notícia de jornal, um filme, um livro, uma situação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Acho que meu amadurecimento pessoal, fruto da vivência, se reflete na escrita. Consigo perceber meu processo de forma mais consciente. Ou melhor, perceber que existe um processo e que posso lidar com ele.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muitos projetos sempre… de livros que gostaria de ler e acho que não existem! E aí penso que poderia escrevê-los… No momento, estou com dois na cabeça. Um deles tem, mais uma vez, o Holocausto como pano de fundo. Quero falar de lealdade, amizade, em meio à luta pela sobrevivência. Estou amadurecendo e amarrando a história e ela já começa a tomar forma. Os protagonistas serão dois meninos e um cão, mas não será um livro infantil. Já imagino, por exemplo, como gostaria de terminá-la. Provavelmente este será o primeiro. O outro projeto, que irá abordar a Inquisição e as conversões forçadas, será uma saga familiar. Também já tenho um esboço na cabeça.