Luiza Cantanhêde é poeta, autora de Palafitas (2016) e Amanhã, serei uma flor insana (2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acredito que todos que usam a palavra como “ferramenta de trabalho “ já começa o dia pensando ou em ler ou escrever (é o meu caso) mas temos as coisas práticas da vida (tomar café, feira…).
Depois disso e dos cuidados com a minha mãe, entro nas redes sociais, leio o que interessa, respondo o que vale a pena; abro e-mails e depois caio nos braços da literatura, ouço o apelo da palavra, e apelo para ela também. Sempre escrevo algo, é uma necessidade básica, tenho sempre um livro por perto, ou para ler ou pedindo para ser escrito, e isso me acompanha por todos os cômodos da casa, mas, nada predeterminado, rotineiro ou com hora marcada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho horários preestabelecidos para criar, vivo em constante sintonia com a palavra, ouço os sons, me vêm as imagens a qualquer hora do dia e sempre que vem eu rascunho alguma coisa, seja no papel, seja na tela do celular para lapidar depois (um texto literário requer um cuidado maior).
Muitas vezes me ocorre esse chamado da poesia nos lugares mais inesperados: fila de banco, ônibus… Eu apenas deixo fluir, sem dar nome aos bois, sem me importar com o léxico, sem pretensão nenhuma.
Muitas vezes sinto a poesia como um paraquedas que não abre, simplesmente porque eu preciso cair neste vão. Não tenho hora marcada para criar, mas tenho um fascínio pela noite, especificamente a madrugada, quando as luzes da pressa cotidiana se apagam e, por mais paradoxal que possa parecer, preciso desse silêncio para melhor compreender o grito da palavra.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo sempre que há o “chamamento”, que tanto pode ser diariamente, como pode levar dias; sabemos que um texto literário precisa de imagens, de estética, de lapidação, de sensibilidade, além de outros elementos, mas o poeta não pode se dar ao luxo de “dispensar” seu momento criativo, se o texto se desenha em minha mente, não há como renegá-lo ou marcar hora e dia; claro que quando se quer publicar um livro, aí sim temos que ter uma certa disciplina, horário para ir separando os melhores grãos e fazer a compilação.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Natural! Mas percebo uma mudança interna e um olhar mais apurado, depois da publicação do meu primeiro livro. Antes eu escrevia como uma “brincadeira”. Mesmo sabendo que a poesia é despretensiosa, não precisa cumprir tabela, ter finalidades e funções, compreendi que preciso ter mais esmero no que escrevo, preciso ler e pesquisar mais (é o que eu venho fazendo).
Me permito a mesma liberdade e naturalidade de sempre ao escrever, mas com um cuidado maior com o que publico. Se escrevo bem ou mal cabe ao leitor decidir, a mim basta a ousadia de ressignificar as coisas.
Como você lida com as travas da escrita como a procrastinação, o medo de não corresponder as expectativas e ansiedade de trabalhar em projeto longos?
Natural. Nunca tive “travas”, até porque a minha relação com o gênero poesia sempre foi (é) de muita liberdade e cumplicidade, espero a provocação e então a externalizo; busco a convivência leve com os poemas, tanto os já escritos quanto os que ainda estão por vir, tudo flui naturalmente. Não nego que tenho vontade – e que venho relutando – em enveredar por outros gêneros (iniciei um livro de contos) mas parei para focar na finalização do meu segundo livro de poesia. Ainda não me perguntei se por medo de não dar certo, ou porque não dou pra “coisa” o certo é que não me preocupo muito com isso, apesar das inquietações tão comuns em quem escreve; procuro manter uma uma relação de calmaria e paciência com o meu fazer literário, se rolar a gente escreve.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu acho que um texto literário nunca está “pronto” totalmente, tem sempre outros desdobramentos, outras interpretações, mas, como falei anteriormente, estou tendo mais cuidado com o que escrevo. Poemas que pretendo inserir em livros, sempre mostro para dois escritores em potencial, dois amigos queridos, pois sei que apesar da amizade que devotamos uns aos outros, eles vão olhar meus textos sem as benesses da amizade e sim com olhar apurado e crítico, apontando o que deve ser aprimorado.
Como é a sua relação com a tecnologia, você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A melhor possível. As plataformas digitais me possibilitam uma maior visibilidade quando se trata da divulgação do meu trabalho, só consegui sair da “gaveta” através das redes sociais. Sempre escrevo à mão, depois passo para o computador ou celular e às vezes (ou quase sempre) ocorre de eu modificar o texto todinho.
De onde vem suas ideias, há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Há um poema em meu livro “Palafitas” cujo trecho diz o seguinte: “A minha palavra é de coisa vivida”.
Já a escritora – que muito admiro – Conceição Evaristo, costuma se referir ao seu fazer literário como “Escrevivência”, o que implica dizer que é do que a gente vive e toca que surge o labor criativo; o poeta é um catador de sonhos, um garimpeiro em busca de seu veio de ouro ou de seus cascalhos. Eu só tenho o chão onde piso e os olhos no infinito. Para “azeitar” a máquina eu cultivo o hábito da leitura: dos livros e da vida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Muita coisa. Agora tenho um olhar mais apurado, cuidadoso e um ouvido mais humilde para ouvir os elogios e/ou as críticas. Dos meus pés cambaleantes e inseguros do início eu retirei o cuidado para me desviar do orgulho, do ego inflado, de achar-me a melhor, que já sou uma virtuose na literatura. Sigo nas buscas, procurando aprender mais, absorvendo as lições, sei que há muito para ser encontrado ou desencontrado. Estou na estrada…
Que projeto você gostaria de fazer mas ainda não começou, que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
A condição primordial do poeta é a inquietação (pelo menos no meu caso); temos muitas ideias, que certamente um dia serão postas em prática; como já disse, estou nas buscas, prosseguir escrevendo é a minha insígnia, posso enveredar pela prosa (ou não); sempre vivo o momento e neste instante o meu momento é a poesia. Já tenho dois livros, o primeiro publicado e bem aceito, o segundo já aprovado pela editora, saindo muito em breve. Em se tratando da segunda indagação, creio que que não há um livro inexistente que eu deseje ler; a linguagem poética, que é o que me move, está em toda parte, a sensibilidade nos permite essa sensação. Bem que eu gostaria de escrever um livro onde coubesse todas as minhas inquietações, sem fórmulas mágicas, sem frases prontas, apenas a imensidão e a amplitude da poesia dizendo: “Siga!”