Luiz Walter Furtado é poeta e médico mineiro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo, faço o café e em seguida minha esposa e eu nos sentamos à mesa. Ali uma primeira conversa inaugura nosso dia. Como sou pediatra, há duas manhãs por semana em que trabalho e nas outras fico só lendo ou estudando, mexendo no computador, cuidando das galinhas que temos no fundo do quintal. Acordo sempre pela metade e vou recobrando o sentido da realidade devagar. Falo muito pouco pela manhã e só depois do café e do banho é que consigo acordar definitivamente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Minha escrita vem primeiro na minha cabeça. Só quando amadurece e o poema toma forma é que consigo assentar-me diante da folha em branco e escrever o poema. Geralmente escrevo ou no meio da noite ou pela manhã, portanto não é uma escrita pensada diante do “papel”. Diria que preciso de inspiração para escrever mas, todavia, consigo seguir uma temática ou pelo menos o clima do livro em curso. É uma forma de escrever que hoje em dia é criticada pelo meio acadêmico, mas me tranquilizo quando penso que Orides Fontela, uma das poetas mais importantes da sua geração, escrevia da mesma forma.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Na verdade nunca sei quando ou se vou escrever o próximo poema, todavia tenho produzido bastante. Desde que comecei a escrever, no final de 2014, já publiquei dois livros e estou com o terceiro pronto, já na revisão.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minha escrita é uma escrita de memória, então a pesquisa vem depois do poema. Há poemas que nascem prontos e qualquer modificação iria só atrapalhar, outros precisam ser mexidos. Já houve casos em que juntei dois poemas num só. Nesse momento, se necessário, faço uma pesquisa sobre o tema, se há uma palavra mais adequada para expressar algo que não ficou bom, etc.
Há poemas que não dão certo, mas pode ser que um verso ou uma estrofe sejam bons. Então anoto o que se salvou e às vezes aproveito depois.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Um livro de poesias é um projeto longo feito em pequenas peças de quebra-cabeça. No meu caso não há medo. O que há é uma falta de leitores de poesia no Brasil. Mesmo a crítica brasileira não é investigativa, não busca conhecer os novos autores e prefere resenhar apenas os escritores já consagrados. Parece que há um medo de pôr a mão no fogo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sou extremamente detalhista e revisito os textos frequentemente. Estou sempre mudando alguma coisa: um verso, uma palavra, um corte no verso. Fico de um a dois anos lendo e relendo a ponto de decorar tudo. E, mais para a época de encerrar o livro, gravo todos os poemas falando no gravador do celular. Sempre acho algumas cacofonias que haviam passado despercebidas.
Sempre peço que algumas pessoas amigas leiam e comentem, principalmente quando o livro já está pronto ou quase pronto. Acho importante observar o impacto da obra nas pessoas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meio a meio. Quando escrevo no meio da noite ou na hora de sair para o trabalho anoto numa agenda. Quando estou em casa de dia escrevo direto no computador.
Das redes sociais uso apenas o Facebook, mas não tenho muitos seguidores. Acho que umas cinquenta pessoas leem e curtem o que escrevo e outras tantas leem, mas não se expressam.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da memória. Às vezes estou pensando distraidamente e vem um poema na cabeça. Quanto aos hábitos, acho, é o da leitura que cultivo desde a adolescência. Para alguém que escreve é sempre importante ler. Ler permite conhecer os vários estilos e o que já foi escrito. É impossível saber se o que você escreve é algo realmente inédito, pois conhecemos apenas uma parte ínfima de toda a escrita que é patrimônio da humanidade. Mas acho que o mais importante é ser sincero consigo mesmo, buscar os escritos em um lugar esquecido em nós mesmos, ainda que nesse lugar haja fragmentos de obras já lidas e que a gente vai reescrever inadvertidamente. Mas há sempre algo de nosso nesse escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como disse escrevo apenas há cerca de quatro anos. Sou um jovem velho poeta. Mas minha poesia mudou substancialmente do primeiro ano para os outros. Meu primeiro livro, Revelações, tem vários poemas em que utilizo as formas clássicas com métrica e rimas: sonetos, quadras, etc. Mas ficar estagnado nessa forma de escrever é frequentemente suicidar-se poeticamente. Então a partir do segundo livro, Assédio das águas, me embrenhei por uma escrita mais livre, embora preserve algum ritmo. Também a palavra foi ganhando mais sutileza, explorando sentidos ocultos. No terceiro livro, Conjugação de silêncios, continua o estilo do livro anterior, pois acho que encontrei minha linguagem, mas introduzo o “corte significativo” em alguns versos quando a palavra cortada deixa revelar outro significado. Também introduzo algumas formas concretas, mas são poemas que resistiriam à ausência desse “concreto”. É que alguns poemas passaram a reclamar por uma determinada forma: seja uma espiral, uma parábola, um sino, etc.
Se pudesse voltar à escrita dos primeiros textos faria como fiz. A poesia e a literatura seguem seu percurso e não há “se”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto é sempre um livro que venha acrescentar algo aos anteriores, que preserve meu estilo mas traga novas pesquisas. Aprofundar-me em mim cada vez mais até o ponto em que o poema seja uma sílaba ou uma longa sucessão de versos, não sei. É preciso encontrar a palavra que traduza muitas outras e o poema será um silêncio ou uma conjunção de vozes ensurdecedoras, tranquilidade ou desespero, depende do poeta.
Saber do livro que não existe é tarefa para os que conseguirem ler tudo o que existe. Em outra palavra: impossível.