Luiz Octavio de Lima é jornalista e autor de Pimenta Neves – Uma reportagem, A Guerra do Paraguai e 1932: São Paulo em chamas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
No período da produção do texto, chego a cumprir uma rotina quase de horário comercial. Em condições normais, tomo um café-da-manhã um tanto demorado, durante o qual já vou organizando as ideias, buscando inspiração e tentando imaginar os ângulos mais interessantes do assunto a ser tratado. Tiro ainda um tempo para colocar a correspondência virtual em dia e me informar sobre o noticiário. No máximo às dez da manhã, já estou em processo de redação. Vou me “aquecendo” a partir daí, em ritmo crescente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O final da manhã e o final da tarde costumam ser os momentos mais produtivos do dia para mim. Geralmente só paro para almoçar quando considero que obtive um avanço significativo nas tarefas e que estou contando com um bom arsenal de ideias para o restante do dia. A volta à tarde costuma acontecer em compasso mais lento e disperso, mas, à medida em que avanço na escrita, pego o embalo e, se a atividade estiver estimulante, posso seguir digitando ou reescrevendo parte dos textos até tarde da noite.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta definida, mas consigo manter uma razoável disciplina, trabalhando de segunda a sexta, como se tivesse uma jornada estabelecida em uma empresa. As exceções são dias em que preciso cuidar de trabalhos para clientes, já que em paralelo dirijo um pequeno negócio de produtos de comunicação. Esses também exigem um processo bem planejado, além de reuniões, contatos telefônicos, visitas a colaboradores, idas a gráficas e eventualmente a presença em eventos. Tento me policiar para não trabalhar nos fins de semana. Esse “respiro” é fundamental para arejar a cabeça. Também me permito períodos de férias – pelo menos um mês do ano – em que faço uma viagem para fora do Brasil e não trato de nada relacionado a trabalho, mesmo que sejam projetos pessoais.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O período de pesquisa consome geralmente um terço do período de produção e ainda prossegue pontualmente ao longo da fase de escrita. Pela natureza dos meus trabalhos – essencialmente livros-reportagem – e dos temas que abordo, preciso constantemente retornar às fontes, rechecar informações e incluir detalhes curiosos que podem adicionar sabor às tramas. Ao perceber que a pesquisa já está suficientemente robusta, passo à organização estrutural, criando uma linha do tempo que guie a sequência dos fatos a serem descritos e definindo o tema de cada capítulo. Daí, é desenvolver a narrativa, casando cada episódio com a proposta geral da obra e estabelecendo arcos (pontos altos) de interesse. A lógica é a de um quebra-cabeças, cujas peças precisam ser bem ajustadas para formar um quadro maior coerente e instigante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Dada a minha longa experiência como jornalista – atividade que exerci a partir do início da década de 1980 –, tenho poucas dificuldades com as chamadas travas da escrita, ou a chamada “síndrome da página em branco”. A obrigatoriedade de produzir ao menos uma reportagem por dia nas redações por onde passei mostrou que deixar de entregar um texto não é uma opção. No caso da produção de livros, julgo que esse problema é ainda de mais fácil solução, já que é possível se criar uma primeira versão e retornar depois a ela, melhorando-a e até refazendo-a completamente até se chegar a um formato satisfatório. O lado espinhoso e que resulta em ansiedade é que raramente as expectativas são completamente atendidas. Há sempre um sentimento de frustração com o que foi escrito, que algo mais poderia ter sido feito, que o leitor poderia ter recebido algo de qualidade mais elevada. Essa parte é sofrida. Talvez a mais sofrida.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Ao preparar Pimenta Neves – Uma reportagem, o primeiro livro em que fiz o texto integral – houve anteriores em que atuei mais como editor e organizador –, pedi a um amigo que era diretor de redação, bem inteirado do tema, que opinasse. Ele fez uma ou duas restrições, mas aprovou o trabalho com entusiasmo, o que me deu maior segurança. Hoje os editores encarregados de coordenar meus projetos fazem esse acompanhamento e fornecem bons feedbacks. A questão da revisão é para mim um verdadeiro pesadelo. Meus livros costumam passar pelo crivo de revisores gramaticais, técnicos e históricos. Isso depois de eu mesmo ter feito dezenas de leituras atentas do todo, tentando aparar as arestas e chegar a minúcias de imperfeições. Ainda assim, nada é capaz de impedir a descoberta de tropeços após o produto rodado. Certa vez comentei esse fato com um veterano e respeitadíssimo jornalista, e ele me respondeu que com o tempo aprendeu a lidar melhor com essa frustração. E a possibilidade de reparos nas segundas edições é sempre um consolo. Em uma entrevista, o humorista e apresentador Jô Soares comentou que entregou a revisão seu biográfico O Livro de Jô a catedráticos da Academia Brasileira de Letras, e que isso não impediu que um erro de concordância “passasse” logo na abertura do primeiro capítulo. A perfeição é um objetivo talvez inalcançável, mas precisa ser perseguido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é muito boa. Fiz cursos de informática nos Estados Unidos nos anos 1980 e isso me ajudou a exercer um papel de pioneirismo quando se deu o advento da internet comercial no Brasil. Após anos como profissional das áreas de Política e Economia, a formação na área de TI contribuiu enormemente para me tornar editor de web em redações. Hoje, no dia a dia, vou acumulando material de pesquisa em pastas e também abro um arquivo para anotações soltas, que podem fazer mais sentido adiante. Mas faço rascunhos à mão constantemente. Isso pode ocorrer no trânsito, assistindo um programa de TV ou mesmo no meio da noite, ao acordar subitamente com uma inspiração especial. E quando tenho uma ideia que considero boa, redijo e mando uma mensagem a mim mesmo onde estiver, seja por celular ou tablet.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Às vezes, pela manhã, levanto com um texto bem concatenado na cabeça. Quando isso ocorre vou direto para o computador, porque essas ideias costumam se dissolver e o risco de não lembrar corretamente pode ser grande. A imagem de um lugar ou de uma situação também podem ajudar posteriormente na montagem do quadro da narrativa. Sempre faço registros fotográficos desse tipo de elemento como material de apoio. Outra forma de buscar inspiração é estudar aspectos do período em que se passam as ações. Ter um panorama bem amplo de como era a época e a vida das pessoas e, portanto, dos personagens. Na minha experiência, o leitor gosta desse tipo de descrição, que parece ajudá-lo a se ambientar e se envolver na história.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sinto que tento sintetizar mais a narrativa e que tenho uma preocupação maior em obter um desenvolvimento mais ágil na trama, sem perder a essência informativa. É uma busca, não digo que já tive sucesso nesse aspecto. Há sem dúvida uma simplicidade maior nos termos escolhidos e a criação de períodos mais enxutos, o que é importante para alguém que pretende atingir o grande público, como eu. Também busco cada vez mais deixar as conclusões ao leitor, oferecendo a ele uma variedade de subsídios para reflexão. Se pudesse voltar, recomendaria a mim mesmo evitar sentenças tortuosas, longas, complicadas, assim como afirmações categóricas. E tanto as verdades “definitivas” como as relativizações excessivas. Não ficar em cima do muro, nem impedir espaço para o pensamento de quem lê. Um equilíbrio delicado que talvez nunca venha a ser inteiramente atingido.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de criar um livro ficcional inspirado em antigas histórias de famílias – a minha e a de outras pessoas próximas –, mesmo que não fosse algo para ser publicado. Uma narrativa de época que montasse um painel político, social e de costumes me seria fortemente atrativo. Gostaria de ler um trabalho que desse conta dos tempos políticos recentes, com uma análise o mais fria possível, analisando os sucessos e desastres brasileiros. Mas isso para embasar uma grande proposta de país para as próximas décadas, que permita saltos de desenvolvimento combinando projetos educacionais, alavancas sociais e enriquecimento sustentável. Um projeto de futuro.