Luiz Felipe é escritor, formado em Letras pela Universidade Federal de Alagoas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia começa cedo, por volta das cinco. O primeiro pensamento é um arrependimento, sempre. Demoro algum tempo para me levantar e, quando me levanto, demoro mais um tempo para ficar minimamente apresentável para o trabalho e para as pessoas. Passo as manhãs na escola, nas salas de aula. É um trabalho que permite que eu esteja sempre em contato com a língua portuguesa e, por isso, é muito satisfatório, porque eu amo a nossa língua. Acho linda, rica e ardilosa. Trabalhar com qualquer língua, creio, é um ato de controle ou, ao menos, de tentativa de controle que, por si, é algo bem interessante de observar, principalmente porque domar a linguagem é uma tarefa árdua e, ouso dizer, impossível. O que os bons escritores parecem fazer não é a domesticação da língua, mas um acordo com o Selvagem que existe nela. Para mim, a beleza da escrita está nessa luta entre o que se quer dizer e os mecanismos linguísticos existentes, entre o pensamento e a concretude, o sonho e a realidade. Até que ponto é possível transpor para o papel uma coisa tão abstrata como uma ideia? A luta que falo é essa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
É difícil falar sobre o melhor horário para escrever quando se divide a atividade da escrita com as outras responsabilidades do dia a dia. Eu adoraria dizer que me levanto às cinco, acendo um Marlboro Azul e ouço os canários cantarem enquanto escrevo um soneto decassílabo, mas essa não é a realidade.
Penso muito antes de começar a escrever. Não sei se pensar pode ser considerado um ritual, mas penso muito. Gasto mais tempo pensando do que necessariamente escrevendo. Penso muito porque quero capturar uma imagem, verso ou título que me faça sentir empolgado para ligar o computador, abrir o Word e dedicar meu tempo à escrita. Uma boa ideia resiste a esse período de divagação. Claro, às vezes acontece de o texto vir de uma forma menos planejada, uma forma mais abrupta, quase como um acidente. Quase. Não acredito muito em acidentes quando se trata de escrita criativa. Ouvi falar de poucos casos em que um escritor foi bom por casualidade. Pode acontecer, mas é difícil, porque o ato de pensar e refletir está muito atrelado à escrita literária. Escrever literatura é um trabalho que requer atenção, cuidado e sensibilidade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende da minha rotina. Sinto que, se não houvesse nada para fazer, eu passaria o dia escrevendo. Sei disso porque já passei por períodos de inércia e tudo o que fiz foi escrever. Durante um mês me dediquei exclusivamente a um projeto literário e, no final desse período, eu tinha algo que, claro, a partir de reescritas e revisões, poderia se tornar um livro. Era outra época. Eu havia acabado de sair da faculdade e ainda não estava trabalhando. Hoje, eu tento me contentar com uma escrita que se faz aos poucos, que se constrói em meio à correria do cotidiano, que é repleto de sensações, sons, imagens e outras interferências. Tento usar isso, de alguma forma, a meu favor. Já que não consigo escrever de uma maneira contínua, mas parcelada, uso o tempo em que não estou escrevendo para pensar e repensar a minha escrita. Isso também é bom.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tudo o que preciso para começar a escrever é um “não”. E esse “não” tem muitas formas, rostos e vozes. Vozes que às vezes ecoam infinitamente. Um “não” sempre ecoa, mesmo que nem exista mais, mesmo que nunca tenha existido. Às vezes é preciso inventá-lo para sustentar o fluxo da escrita, lugar em que é possível flertar com o que é real e com o que é invenção. É por isso que, quando essa voz que nega não me é dada de boa vontade (ou devo dizer “má vontade”?), eu luto por ela. Se ainda assim não vier, eu a invento. A literatura não se importa com isso.
As coisas que escrevo, por serem mais sobre o “eu” e por circundarem uma voz autocentrada, requerem um tipo de pesquisa menos formal. É uma investigação de teor mais intimista, interiorano e introspectivo. Talvez pareça egocentrismo, um fazer literário que gira em torno dos conflitos que me cercam, mas acredito que existe uma ponte entre aquilo que escrevo sobre mim e aquilo que pode ser dito sobre os outros. Escrevo um “eu” e, por isso, um “nós”.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando a escrita se mostra difícil, corro atrás do “não”. É mais fácil escrever quando estou triste. A tristeza deveria me parar, mas me move. É um movimento que tem alguma coisa de estático nele. Eu me movo, mas permaneço.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O texto, assim que nasce, ainda é pedra. Precisa passar por um processo de lapidação, não para que deixe de ser pedra, mas para que, além de pedra, seja construção. O tempo de lapidação é diferente para cada texto. Já passei meses revisando um poema, enquanto outros me tomaram apenas algumas horas. Mas todos eles passam por algum processo de rearranjo, reescrita e recorte.
Tenho amigos que leem o que escrevo. Somos um grupo, o Elisa (Encontros Literários Sabatinos), que tem como principal proposta a troca de experiências literárias. Isso inclui o compartilhamento e leitura dos nossos projetos de escrita, o que acaba facilitando o processo de revisão. É mais fácil enxergar o que escrevo através do olhar do outro, que possui uma distância maior do texto do que eu, o escritor, e, por isso, pode mostrar uma perspectiva diferente sobre algo que poderia passar batido. Por mais que a escrita, na maior parte das vezes, seja uma atividade solitária, de isolamento, há outros processos que a envolvem nos quais é possível haver a participação de outras pessoas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O computador oferece ferramentas de escrita muito eficazes e que facilitam o trabalho de revisão. Sem ele, o processo de escrita seria mais demorado. Não vejo por que não começar escrevendo já no Word. É o que faço. Talvez, para alguns, os menos entusiastas com a tecnologia, isso soe pouco romântico, quase um insulto. Mas não me sinto mal por isso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
De tudo. Todas as coisas podem ser aproveitadas, até mesmo o supérfluo. Aliás, é do supérfluo e do que parece não ter importância que eu gosto mais. É muito atrativa, para mim, a ideia de vislumbrar alguma beleza em algo que, normalmente, não é visto como belo. É um desafio, porque é necessário romper com a automatização do olhar. É preciso ver as coisas como se as visse pela primeira vez. O resultado disso é o estranhamento, que, alinhado à linguagem, que também pode ser estranha, produz (ou tenta produzir) o efeito de desestabilização.
Acho que a criatividade vem disso, dessa tentativa de ver as coisas com novos olhos, esse exercício diário de construir uma visão estrangeira sobre o mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muitas coisas. Mas, se for para citar uma, diria que, com o passar do tempo, deixei de ser um escritor hiperbólico para me tornar um escritor podador. Soa estranho, eu sei. A ideia de alguém que poda, e não que deixa crescer, é um pouco assustadora à primeira vista. Para mim, claro, tudo o que falo aqui é sobre mim, escrever é isso. É isto: permitir que o texto floresça, mas sem se esquecer que o trabalho do jardineiro também é o de podar.
Isso significa dizer que não abro mão da empolgação enquanto escrevo, mas prefiro ser comedido enquanto reviso.
Se pudesse voltar à época dos primeiros textos e tivesse a oportunidade de me dizer algo, eu optaria pelo silêncio. O pouco que sei hoje sobre escrita literária é o resultado dos erros e acertos cometidos ao longo dos anos. Eu me permito errar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu que não vou espalhar por aí os projetos que eu gostaria de escrever. Essas ideias, para serem organizadas, demandam tempo e, por isso, não podem ser entregues assim, não facilmente.
É difícil pensar em coisas que não existem. Tenho a impressão de que apenas o ato de pensar já torna a coisa, de alguma forma, existente e, por isso, possível de já ter acontecido.