Luiz Felipe Asp é escritor de suspense.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
De segunda a sexta, meu despertador toca as 6:40 e eu levanto para ir ao trabalho, onde começo pouco antes das nove. Acho que a maioria dos escritores escreve por amor, ao menos é o que eu faço – por amor e pra me divertir. Minhas rotinas têm muito mais a vez com a ida ao trabalho e a estar com minha esposa e filha do que com escrever. Exceto por um detalhe – eu leio algo diferente quase todo o dia.
No final de 2013, minha esposa questionou o volume de livros que eu compro, o que me fez começar a fotografar tudo que lesse e colocar num álbum do Facebook. Esse álbum conta hoje com mais de 750 leituras, envolvendo quadrinhos, ficção, estudos voltados para o trabalho, biografias, e assuntos sobre os quais eu estivesse com curiosidade naquele momento.
No caminho para o trabalho eu sou o maluco no metrô com um Kindle na mão, no almoço eu se eu não estou com colegas de trabalho estou com o Kindle na mão, na volta para casa eu tô com o Kindle na mão. E nisso vou deixando a cabeça trabalhar em segundo plano, até o dia em que eu tenho as ideias em ordem e tempo para escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Se eu já tenho noção do que vou escrever, é só começar entre 10h e 15h que eu pego o embalo e disparo a escrever. Não foi incomum, na escrita do meu primeiro livro, Correntes de Sangue, dias seguidos escrevendo mais de duas mil palavras – o que com emprego, casa, esposa e filha para dividir as atenções me parece algo fantástico.
Não tenho exatamente um ritual envolvendo escrever. Para tanto, preciso principalmente de tempo livre e ideias. Sobre o tempo eu não tenho muito controle – quando a oportunidade aparece é sentar e colocar na página. Quanto às ideias, elas chegam em etapas, e estou sempre desenvolvendo algumas na cabeça. Então de certa forma podemos dizer que o principal ritual é manter a história viva nas ideias, pra na hora de colocá-la no terreno estar fértil.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados, que é como tenho condições de fazer. E digo a quem não tem tempo que não desanime, que aproveite as oportunidades e faça aquilo que ama. Meu NaNoWriMo teve 12 mil palavras, muito menos do que as 50 mil da meta, mas 12 mil a mais do que eu teria se não usasse o pouco tempo que tive para escrever. Tirei férias, joguei parte do texto fora, escrevi mais algumas páginas, e já são 33 mil palavras – ou seja, acho que encontrei um caminho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não começo compilando notas ou fazendo pesquisa. Pra mim, as ideias começam como cenas ou imagens, como conversas, e minha primeira exploração do que tenho na mente é improvisando como seriam na página. Conforme eu escrevo, a ideia começa a ganhar volume e contexto que a pesquisa se desenvolve, para dar textura e corpo àquelas ideias.
No Correntes de Sangue, meu primeiro livro, escrita e pesquisa ocorreram em paralelo. A história se passa em 1963, e por isso surgiam questões como a geografia de uma cidade, em qual hospital uma personagem poderia estudar Enfermagem, ou quais livros eles teriam lido e sobre os quais conversariam. Quando a demanda surgia, ia até o Google e encontrava uma resposta. Em alguns casos, imaginei que informações poderiam ser úteis e as pesquisei antes de precisar delas, o que me deu noção da realidade daquela época mesmo quando acabei não trazendo a informação para a história.
Na história que eu estou escrevendo atualmente houve uma fase de escrita intensa em novembro de 2018, até que eu parei e percebi que, para seguir, precisava descobrir o que estava acontecendo por trás daquelas páginas. Comecei a conversar com amigos, pedi que meus queridíssimos leitores beta me dessem um feedback, e no que me situei separei uma série de leituras para que eu conseguisse desenvolver a ideia como senti que devia. Reescrevi metade do que havia feito, fiz uma introdução completamente nova, e a história ganhou um novo impulso.
É possível que da próxima vez tudo seja diferente, acredito que cada ideia e cada momento da vida vai se desenvolver do seu jeito.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com o pouco tempo que tenho é impossível procrastinar, ou nunca escreveria nada. Por outro lado, o medo de não corresponder às expectativas é real e presente. Tive de aprender dizer pra mim mesmo: se esse ficar ruim tudo bem, faça outro depois. A verdade é que eu não escrevo obras primas, eu escrevo livros de suspense com elementos sobrenaturais, e me divirto com isso. Me divirto escrevendo, pesquisando, conversando com os leitores, trocando ideias com os amigos – é como trocar a roda do carro com ele em movimento, ou como fazer um relógio suíço de improviso. O planejamento só vem na hora de fechar o livro, até lá me dou pura liberdade.
De resto, o que me tranquiliza é que escrever é uma escolha, algo para divertir a mim e aos meus leitores. Não fiquei rico com meu primeiro livro, vou ficar surpreso se ficar com o segundo, o terceiro ou com o décimo. Se eu olhasse para tudo isso como um bilhete premiado se o texto melhorasse só um pouquinho iria ficar louco, acho. Meu objetivo agora é terminar a história que tenho em mãos nesse semestre, e espero que vocês se divirtam lendo tanto quanto eu me diverti escrevendo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A escrita de um livro tem uma característica muito delicada: a construção de uma obra pode demorar meses, e por todo esse período não há um feedback natural. Quando comparo aos tempos em que tocava violão na faculdade ou fazia teatro amador, sinto uma diferença tremenda. Talvez por isso, para mim leitores beta fazem toda a diferença, e eu peço que participem do processo, não só que vejam a obra pronta.
Pelo que converso por aí, a maioria dos escritores se sente um pouco inseguro durante a escrita, e acho que isso é normal. Alguns preferem concluir a história antes de pedir algum feedback, outros fazem como eu, alguns já tem leitores beta de confiança, outros fazem como eu e procuram novos leitores a cada projeto. Parte da brincadeira é essa troca, é a descoberta do processo de cada livro, então gosto de ter quem leia e de trocar ideias pelo caminho.
Para mim, o principal é chegar a uma versão da história interessante, com bom ritmo e com uma conclusão satisfatória. Uma vez essa história pronta, e a narrativa fechada, aí um revisor faz o trabalho de corrigir os erros e aparar as arestas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador, numa página do Word formato 14cm x 21cm, margens de 1,5cm, fonte Minion Pro 11, entrelinhamento de 110% e espaço entre parágrafos de 4 pontos. Por que? Por que assim o que faço fica próximo do que o texto vai ficar diagramado no livro, o que me dá noção do volume do que estou fazendo. Tenho 37 anos, tudo que escrevo é no computador desde que entrei na faculdade em 1999. Minha pesquisa é essencialmente digital, minhas leituras em grande parte são no Kindle, não tenho a maior presença digital do mundo, mas vou me virando. Dizem que eu devia ter Instagram e Twitter, só que eu mal dou conta do Facebook. Em resumo, em comparação ao escritor médio de 50 anos deve parecer que eu me dou muito bem com tecnologia, em comparação com o escritor médio com menos de 30 anos eu sou um dinossauro.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como disse antes, eu leio muito, e esse é um bom hábito para quem escreve. Por outro lado, escrevi meu primeiro livro aos 37 anos, e não rascunhava nada desde a faculdade. O que tento fazer é sempre trazer novidades para minha vida – músicas, filmes e livros diferentes, novas amizades, a mudança de Niterói para São Paulo… por um lado eu sou um cara tranquilão, meio parado, posso passar uma tarde sozinho vendo Netflix ou lendo sem culpa nenhuma. Por outro lado, trazer novos estímulos e novas conversas faz uma diferença danada. Sou meio quieto, mas acho que sou bom ouvinte.
Ah, outro detalhe: a maioria dos meus amigos escritores planeja uma história envolvendo de três a cinco volumes antes de começar a escrever. Meu primeiro livro começou com um pai alcóolatra sendo transformado em vampiro e seu filho de oito anos se vendo sem pai em, sei lá, 800 palavras escritas sem compromisso. Aí cada detalhe que se seguiu puxou o seguinte – o que aconteceu com o filho? Como é a vida de um vampiro? Como eles poderiam voltar a se esbarrar? E foram surgindo novos personagens, e esses personagens foram ganhando vulto, e quando vi tinha outros dois protagonistas, conflitos que não havia previsto, 48 mil palavras e um caminho em vista, tudo fruto de 800 palavras escritas livremente.
Meu próximo livro nasceu quando uma noite, pouco antes de dormir, imaginei uma adolescente dormindo, sonhando que a base do carvalho do jardim da sua casa havia sido tomada por fungos azuis. No dia seguinte, quando ela acorda, os fungos estariam lá. Isso era tudo o que eu sabia quando comecei a escrever. Passei de 33 mil palavras nessa história há poucos dias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu primeiro livro foi escrito em agosto de 2018… antes disso, o último texto que devo ter escrito fora uns 15 ou 16 anos antes, fazendo teatro amador. Acho que só voltei a escrever por ter contato com pessoas que publicavam seus trabalhos no Catarse, escrever sem uma boa chance de ser lido não faz a minha cabeça. Então acho que, como autor de livros de ficção, vou ter de te responder essa pergunta em cinco anos, rs.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que eu gostaria de fazer, e não sei como ou se vai rolar, seria um livro escrito a quatro mãos com meu bom amigo e antigo parceiro de escrita no teatro amador, Rafael Ruivo. Ainda não encontramos a ideia certa, e ele mora em Israel, então não é como se fosse fácil, fora que eu não faço ideia de como seria o processo de escrita em si, mas a vontade existe e volta e meia trocamos ideias. Nos desejem sorte!
Eu gostaria de ler a conclusão da saga do Feiticeiro, da Má Matiazi. Ela já escreveu dois dos cinco volumes planejados no começo, e amei cada um deles, então agora é torcer para que ambos vivamos o suficiente e que ela não perca o ânimo.