Luiz Cláudio Braga é escritor e roteirista de histórias em quadrinhos e audiovisual.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Seria ótimo poder dizer que acordo cedo, tomo meu café, faço meus exercícios, leio um pouco buscando inspiração e depois entro no meu cantinho preparado para só escrever e deixar a imaginação fluir. Mas nada disso ocorre.
Para conseguir dar vazão à necessidade de escrever é preciso pagar contas, e por isso acordo cedo para trabalhar em algo que não tem relação com a arte da escrita. Não por opção, mas por necessidade.
Trabalho o dia inteiro e depois ainda vou pra faculdade. Então, tempo é curto e corrido. Destarte, é preciso otimizá-lo ao máximo. Levo comigo um caderninho do tipo moleskine e uma caneta a todos os cantos que preciso ir. Quando não dá pra anotar no caderno, uso algum aplicativo de celular. O que não pode é perder a ideia. A inspiração vem quando leio uma instrução qualquer no trabalho, enquanto dirijo, no banho, vendo TV, lavando a louça, lendo um livro, estudando e principalmente quando escuto música. Gosto principalmente das instrumentais pois ajudam muito na hora viajar na história.
Então, infelizmente não tenho uma rotina matinal. O que tento é escrever quando tenho tempo. As vezes chego um pouco mais cedo no trabalho e marco 10 minutos no relógio antes de começar o batente e me comprometo a escrever pelo menos um parágrafo. Se não der certo, tento no almoço, e se mesmo assim não conseguir, paciência, tentarei quando chegar em casa antes de dormir ou mesmo no fim de semana. O importante é aproveitar cada momento que surgir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O horário para mim mais proveitoso é durante o dia, principalmente logo depois que acordo pois a mente está descansada. Mas já teve vezes em que a ideia estava azucrinando e eu simplesmente não conseguia relaxar e dormir enquanto não botasse no papel.
Quanto a preparação da escrita eu não tenho um ritual, exceto que a minha imaginação fica muito mais solta quando escuto musica instrumental. Gosto principalmente de trilhas sonoras de filmes. Artistas como Audiomachine, Ramin Djawadi, Jean-Michel Jarre, Vangelis, Enya, Hans Zimmer, Gothic Storm, Two Steps From Hell, Jo Blankenburg, Sebastian Bohm, Scandroid.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
O tempo é escasso para mim. Outras coisas me demandam, por isso escrevo sempre que posso. Já tentei trabalhar com meta diária, mas não funcionou. O que se tem mostrado eficiente no meu caso foi estabelecer a meta de escrever pelo menos um paragrafo por dia. Mesmo assim, tem dia que nem isso consigo.
Em compensação, depois que termino de escrever no caderno, as outras etapas são mais fáceis de executar. Passar a limpo é quase uma atividade mecânica, o que dá para executar com uma meta mais objetiva inclusive.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo possui várias fases. A primeira é estabelecer o PLOT do que preciso contar. É uma história de suspense? Ação (adoro ação e adrenalina)? Ficção-cientifica (outra paixão)? Tento definir escrevendo um resumo da história em poucas linhas. Chamam isso de SINOPSE. Geralmente eu as anoto no meu caderninho na sequência em que vão surgindo. Em algum momento futuro, analiso as ideias e as passo à limpo.
Depois escolho qual história vou trabalhar e penso na ESCALETA da trama. É a etapa mais divertida e trabalhosa do processo. É aqui que a história nasce. Isso não significa que irei seguir fielmente o que já fora definido. Não, a escaleta serve apenas como um grande guia para não me perder na hora de contar a história e saber para onde o personagem está indo. Mas nada impede de que no decorrer da narrativa as coisas mudem e o rumo pode ser outro. Inclusive uma cena pensada na escaleta e anotada no caderninho pode nem mesmo conseguir mais se encaixar na história.
Com a escaleta pronta e satisfatória, pois nunca estará perfeita, começo a ESCREVER à mão mesmo, até terminar a história. Deixo de lado por um ou dois dias, as vezes até uma semana e então passo à limpo no computador.
Neste momento eu já vou polindo o texto, enquanto faço a REVISÃO, encontrando palavras e frases melhores e corrigindo os erros gramaticais. Então imprimo e leio no papel e vou fazendo marcações par melhorar o texto mais ainda. E volto a passar a limpo. Só então apresento os textos para meus LEITORES BETA darem suas opiniões e volto a corrigir o texto no que for preciso.
Agora só começo a escrever quando tenho bem definido na escaleta como minha história vai terminar. Mesmo que mude no decorrer da escrita, que fique claro. Não me sinto à vontade em escrever sem saber para onde que devo ir. Sou escritor do tipo arquiteto, preciso sentir segurança na história. Quando tenho estes dados, o começo da narrativa fica muito mais fácil.
Quanto à pesquisa, faço sim uma busca inicial para ter noção dos pontos que já sei necessários à narrativa. Agora, não dá para definir claramente quando termina a pesquisa e começa a escrita, pois aquela está presente também durante a própria escrita. O que posso afirmar é que a pesquisa só para quando finalizo a história depois de todas as revisões e tenho um manuscrito interessante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já tive muitos problemas com essas travas realmente. Finalmente consigo um tempo interessante para conseguir escrever, me preparo e … não vem nada. Mas percebi também que a sensação de urgência, de tempo curto nos ajuda mais do que atrapalha.
Por isso escrevo no caderno. Com um lápis e um papel você escreve em qualquer lugar que você tem tempo e disponibilidade: na espera de um consultório, no intervalo do almoço etc. desta forma você se desliga das amarras de escrever a melhor frase neste primeiro momento. A preocupação deve ser materializar a ideia no papel. As melhorias você vai fazer depois. O texto agora é seu, só seu, e ainda não está pronto para mais ninguém. Por isso, siga em frente e quando terminar faça as correções necessárias.
Quanto às expectativas e a ansiedade, tento controlá-las estabelecendo a escaleta e materializar cada tópico em cada momento que esteja escrevendo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão é essencial. Por isso escreve no caderno e depois passo pro computador. Ai já tem uma revisão. Terminei de escrever, espero um tempo para “esquecer” um pouco a história e imprimo com espaçamento dois para ler anotando e corrigindo o texto no papel mesmo. Outra revisão. Aí atualizo no arquivo digital. Outra revisão. Antes de mandar para alguém, faço mais uma. Enfim, reviso pelo menos umas quatro ou cinco vezes antes mandar para os leitores betas. E eles são essenciais. Conforme vou recebendo o feedback deles, vou fazendo novas revisões até me sentir á vontade e poder publicar. E quando possível ainda contrato um revisor ortográfico para verificar erros gramaticais, pois o nosso olho, nesta etapa já está acostumado com esses erros.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A tecnologia é uma ferramenta que deve ser usada para nos ajudar. E hodiernamente, com advento da “nuvem” elas são essenciais. Uso muito o evernote pois posso anotar uma ideia, tirar uma foto, gravar um áudio que pode servir para uma ideia futura e quando chego no computador ela já está ali sincronizada. Mas quando começo a escrever mesmo, começo com um caderno e anoto à mão mesmo, como já expliquei, e em seguida passo a limpo para o digital. Mas nada impede de escrever tudo num celular num momento de espera e que a inspiração chegou. O que importa é facilitar a escrita e não se prender a fórmulas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias não param e penso no tempo todo em situações que sejam interessantes. Penso no trabalho, no trânsito, em um curso, vendo um filme, etc. A qualquer momento pode vir uma ideia, o importante é não deixar ela passar, é preciso capturá-la. Por isso o moleskine e um lápis ou caneta. Teve a ideia? Anota no caderno, no celular, e esteja disposto e escrever no meio de uma festa porque o plot veio naquele momento. Quanto aos hábitos, preciso escutar música o tempo todo. Estudando, dirigindo, trabalhando. Ela ajuda a relaxar e a me concentrar no que estou fazendo e simultaneamente a cabeça viaja para formar uma ideia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Parei de buscar a palavra perfeita. Isso não existe. Quando escrevia, eu travava muito pois não encontrava a melhor forma de dizer o que eu queria. E então li no blog de um escritor que sigo que o momento não era para isso. A história só pode ser melhorada quando você tem o 1º rascunho, não antes. Isso me ajudou muito. Depois disso eu buscava escrever no mínimo a noção do que eu queria. Eu sabia que depois eu voltaria para analisar com mais calma e já sabendo muito mais para onde a história vai do que você sabia quando começou. Além disso, mudei meu hábito de escrita. Antes tinha que ter um local e tempo apropriado. Agora escrevo quando e onde for possível. Mas é preciso adquirir o hábito de escrever. Só se aprende andar, andando. Com a escrita é a mesma coisa.
E se eu pudesse voltar no tempo e me aconselhar, eu diria “faça o 1º rascunho o mais rápido que puder e depois revise, revise, revise. Não tenha medo de cortar uma cena inteira que você perdeu dois meses escrevendo. Se ela não ajudar a história a ir para a frente, elimine sem pena. E revise.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou com duas ideias que ainda estão em formação. São dois projetos mais longos que um romance. Na verdade, são series de livros com os mesmos personagens. Algo tipo os livros de James Bond, Robert Langdom, Desventuras em Serie e até mesmo Perry Rhodan. Cada livro é uma história fechada com os mesmos personagens e sem a necessidade de ter uma história maior de fundo.
Queria ler uma história que pegasse a gente já na segunda página e só nos largasse na última, mas, e aqui vem o detalhe, que fugisse da fórmula da “Jornada do herói” de Joseph Campbell e das “36 situações dramáticas” de George Polti.