Luiz Carlos Ramos é jornalista, professor e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O jornalista tem geralmente um misto de rotina e de necessidade de se adequar a situações, conforme o momento. Uma vez que trabalho em Jornalismo há 56 anos, tendo atuado em jornais, rádios e TVs, e dei aulas por 27 anos na PUC-SP, me acostumei a levantar cedo, e, conforme for, já “sair jogando”, escrevendo, em função de uma ou outra tarefa. Já que tive funções pela manhã, à tarde e à noite, me acostumei a escrever a qualquer momento. Mas, logo cedo, tento me informar sobre o noticiário, recorrendo aos raros veículos de credibilidade desta época no Brasil. Também recorro a sites de fora, em especial o do The New York Times.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nos últimos anos, percebi que sou capaz de trabalhar em qualquer período, como relato acima. E o trabalho acaba rendendo, desde que eu esteja num ambiente de silêncio. Não há ritual de preparação. As ideias vão brotando, e aprendi a checar informações com os recursos tecnológicos de hoje em dia. O Google, bem usado, é um tesouro. Quem se lembra da Enciclopédia Barsa? No jornal “O Estado de S. Paulo”, onde trabalhei por 37 anos como repórter e editor de várias seções, há um magnífico arquivo, chefiado pelo meu ex-aluno Emundo Leite, atualmente digitalizado. Houve época em que aquele arquivo era só da coleção de todas as edições do jornal impresso, enormes encadernações, e de pastas específicas com textos e fotos: cada assunto, uma pasta. Tudo mudou.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nos últimos anos, isso tem variado bastante. No momento, minha atividade profissional básica é produzir jornais e boletins institucionais, em que utilizo minha experiência para valorizar os temas. Em fevereiro deste ano, deixei uma outra atividade, exercida por 14 anos, a de diretor de Jornalismo de uma rádio popular de São Paulo, a Rádio Capital AM. No “Estadão”, onde trabalhei de 1969 a 2016, depois de ter ficado três anos no “Jornal da Tarde”, da mesma empresa, tive atividade intensa principalmente nos períodos em que fui editor-chefe das seções de Esportes, Geral/Cidades e Primeira Página. Desde 1980, passei a ser um segundo emprego e, depois um terceiro, inicialmente como comentarista de Política Internacional na Rádio Excelsior (atual CBN). Depois trabalhei em várias outras rádios, comecei a dar aulas na PUC-SP em 1989, e por mim passaram cerca de 3.500 alunos, a maioria atuando agora na área de Jornalismo. Escrevi sete livros, sem abandonar os empregos. Nestes dois anos, busco uma vida mais tranquila, mas considero que, mesmo aos 76 anos, não devo parar de escrever: é bom para a cabeça, uma ginástica.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em alguns casos, faço entrevista presencial ou online ou pelo telefone. No mais, recorro a fontes de credibilidade, sejam da mídia tradicional, sejam de empresas ou instituições. Com a experiência que a gente leva, e com a ética, é possível fazer uma triagem, para evitar cair nas cilas de “fake News”. Nada como checar, saber checar, e o texto vai fluindo naturalmente. Com os computadores, fica muito mais fácil que nos tempos da máquina de escrever, em que a gente rasgava as laudas (de papel) para começar tudo de novo. Hoje, é tranquilo fazer mudanças no texto, e passa a a haver dinamismo no trabalho. Na escrita, rejeito o sistema de plágio. Se recorro a uma fonte, identifico a fonte para o leitor. E sei muito bem diferenciar o que é testo de notícia e o que é texto de artigo (opinativo) ou editorial. Isso é importante, para que a matéria não seja tendenciosa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A ansiedade sempre existirá. Faz parte da vida daqueles que tentam ser bons profissionais e que temem cometer erros. Já participei de projetos diários, como os jornais, semanais ou mensais, como revistas, e os mais longos, os livros. Meu livro mais recente, “Glória, Queda, Futuro”, a história da Odebrecht, que lancei em 27 de novembro de 2017, foi escrito em pouco mais de um ano, cuidadosamente, já que é um tema bastante delicado, e deu certo, sem deixar de lado os outros trabalhos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
É obrigação de qualquer jornalista reler o trabalho pelo menos uma vez, antes de o considerar concluído e passar adiante. Às vezes, chego a mexer em meu texto três ou quatro vezes, buscando o aprimoramento. Quanto é de um dia para o outro, pego o texto iniciado na véspera e vejo que dá para melhorar. Chego a ser ideias de texto até quando estou caminhando pelas ruas de São Paulo ou mesmo quando estou debaixo do chuveiro. Ao dormir chego a sonhar com temas e textos. Dependendo dos lugares em que trabalhei e nas funções exercidas, era mesmo necessário apresentar o texto para algum superior. Por 40 anos, fui chefe de equipes, e cabia a mim orientar repórteres e redatores. Nessa tarefa, procurei a paciência que alguns jornalistas tiveram comigo em minha época de “foca” de 22 anos no “Jornal da Tarde”. Procuro orientar, desde que o interlocutor se mostre com vontade de evoluir. Assim fiz também ao ser professor na PUC-SP (1989-2016) e no Curso Focas, do “Estadão” (2000-2017).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quando consegui emprego num pequeno jornal de Esportes de São Paulo, o “Mundo Esportivo”, aos 20 anos, eu não sabia escrever a máquina. Fui aprendendo aos trancos. O jornal era semanal, eu escrevia a mão e passava para a minha mãe, que datilografava para eu levar os textos ao editor. Depois, fui evoluindo. Comecei a escrever com computadores em 1990. No início, apanhei bastante. Hoje, não chego a ser um mestre em tecnologia, mas evoluí bastante e ganhei firmeza e agilidade. Às vezes, quando estou numa viagem, chego a rabiscar textos a mão para depois levá-los ao computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Boa pergunta. As ideias brotam. Escrever é um dom, que nasce com a pessoa, e que precisa ser aprimorado, com humildade, garra e criatividade. Acredito em Deus. Considero que recebi de Deus essa dádiva e que tenho sido protegido para me conservar com saúde e com cabeça para prosseguir na profissão de jornalista, da qual tanto gosto e que me deu condições para, com a ajuda do trabalho da minha esposa, educadora, termos uma vida de classe média, tendo criado duas filhas. Considero a criatividade importantíssima. Procuro variar no momento de escrever, evitando ser repetitivo. Mas aqui vai uma advertência: entre o texto genial e o texto piegas, a distância é de apenas um milímetro. Evito entrar naquela trilha de “literatice”. Aliás, cada texto é um novo desafio, a ser pensado e executado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tenho, em casa, alguns dos meus primeiros textos no Jornalismo, desde os tempos do “Mundo Esportivo”, depois no jornal “Última Hora”, e os dos primeiros grandes desafios no “Jornal da Tarde”, um jornal inovador, de tantos jornalistas de talento. Minha passagem pelo grande “JT” em três anos (1966-1969) foi importantíssima para a evolução do meu texto e para a aplicação nos 37 anos de “Estadão”. Importante: mesmo no período em que chefiei equipes no jornal, não abri mão da condição de repórter, tendo noção das coisas. Com o tempo, o que ajudou bastante foram as viagens, a trabalho e a lazer. Estive em 61 países e em 20 Estados brasileiros. Cobri quatro Copas do Mundo, a Olimpíada de Moscou (1980) e o terrorismo contra trens de Madri, o episódio Atocha (2004), que matou 192 pessoas, e fui ampliando meus conhecimentos, sem ser dono da verdade. Ao ver meus primeiros textos, digo para mim: “Tenho orgulho de sua evolução”.
Premissas para quem deseja fazer textos corretos, criativos e atraentes: saber muito bem as regras de português, curtir o hábito de leitura de bons escritores nacionais e estrangeiros, e estar aberto para conversar com quem tem algo de bom a apresentar. Às vezes, pode ser um desconhecido. Vale a pena ouvi-lo. Fiz isso em outubro de 1983, quando um rapaz alto, então desconhecido para mim, esteve me procurando na Redação do “Estadão”, após uma cobertura que fiz na África do Sul, dizendo que precisava de informações sobre a Namíbia, então controlada pelo governo sul-africano. E ele explicou que estava planejando atravessar o Oceano Atlântico, da Namíbia até a Bahia, num pequeno barco a remo anatômico. Ele me mostrou seu projeto, baseado no barco, já pronto, e na ajuda das correntes marítimas e dos ventos alísios. Publiquei a matéria no alto de página, num domingo. Em maio, o navegante levou seu barco para a África, a bordo de um cargueiro argentino, e iniciou a aventura a partir de Luderitz. Deu certo, ele chegou salvo à Bahia e escreveu o livro “Cem Dias entre Céu e Mar”. Ficou famoso: Amyr Klink. Mais tarde, teve outras missões, entre as quais na Antártida, e tornou-se um requisitado palestrante para falar da importância do planejamento, da organização. Não me arrependi de ter conversado com um desconhecido…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
É muito importante ter projetos em mente, Aos 76 anos, tenho os meus, que espero levar adiante, pedindo a Deus que me poupe do coronavírus e que o Brasil não sofra tanto com o vírus e a consequente crise econômica. Se tudo der certo, quero escrever sobre um país quase desconhecido aqui, o pequeno Qatar, no Oriente Médio, sede da Copa do Mundo de 2022. Em 2018, a caminho de Moscou, fiquei quatro dias em Doha, no Qatar, e consegui material para mostrar as características de um pequeno e rico país, e suas complicações. Podem surgir outros projetos. O primeiro, que tive, em 1997, foi um convite de meu amigo jornalista Galeno Amorim, da Editora Palavra Mágica, de Ribeirão, que, sabendo que trabalhei em Esportes até 1982, me perguntou: “Você não quer participar de um projeto de biografia do Ronaldo? Aceitei, e escrevi o livro com dois outros autores, Brás Henrique e Luiz Puntel. Ronaldo Fenômeno tinha apenas 22 anos quando o livro foi lançado, e gostei da experiência. Com base nisso, recebi convite de uma editora tradicional de São Paulo, a Editora do Brasil, para escrever a biografia do folclórico presidente do Corinthians, Vicente Matheus, e nasceu o livro “Quem sai na Chuva é pra se Queimar”, em 2001. Em 2007, lancei a biografia do levantador de vôlei campeão mundial e olímpico Ricardinho. Antes de escrever a história da Odebrecht (2016-2017), fiz com meu amigo Julio Darvas, em 2010, o livro “Economia é Política, Política é Economia”. Darvas experiente especialista em marketing e pesquisas, tem 92 anos, e me diz que tem projetos pela frente. Ele está certo. Ir sempre em frente, idealizando coisas, que podem dar certo.