Luiz Biajoni é escritor, autor de “A comédia mundana”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Como só escrevo romances, não tenho vários projetos ao mesmo tempo. Vou pensando o romance, as ideias gerais, os personagens… às vezes rabisco algo. E então me sento para escrever, preferindo as manhãs, logo que acordo, com a cabeça mais limpa e menos intrusões. Acordo cedo, antes das seis. E tento escrever todos os dias, a semana toda, ou ao menos reler o que já está escrito, reescrever, mexer um pouco. Se estou empolgado, posso fazer nova sessão de escrita no final da tarde. Prefiro escrever durante a primavera e o verão, não gosto de escrever no frio, então tento me organizar para escrever meu projeto entre outubro e maio – aí reviso apenas, reescrevo alguma coisa durante o inverno. Esse cenário é o preferível. Mas já escrevi em todos os horários, estações e circunstâncias.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Tento ter a ideia geral, conhecer os personagens principais, e saber qual o rumo a história vai tomar. Geralmente, não faço uma escaleta – mas já fiz. Não é difícil escrever a primeira frase, mas é difícil acertar o tom. Depois que se encontra a voz para aquela história, a coisa flui. A última frase é consequência. Há muito mito sobre esse tipo de coisa, a maioria dos meus livros teve a primeira e a última frase modificadas nas revisões. Tem escritor que fica obcecado com esse tipo de coisa; eu acho engraçado.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Bem, silêncio e um ambiente agradável – quem é que não quer isso? Nem sempre é possível, mas hoje em dia tenho essa condição. A rotina é importante, quando se está conectado com a história – ou então ela vai se perder, eu vou perder o ritmo, vai haver uma desconexão. É comum: o escritor começa a escrever algo, escreve por alguns dias e, depois, por alguma razão, deixa de escrever por alguns dias, e então não consegue continuar. Fica na pasta de “livros não escritos”.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Como venho do jornalismo diário, sou disciplinado quando estou escrevendo algo, tento respeitar prazos que eu mesmo estabeleço e não fico zanzando pela internet. Enjoei um pouco da internet – com toda essa oferta de filmes nos streamings e com todos esses ótimos livros para se ler, não fico abrindo abas na rede. Não acompanho muita coisa na internet, não ouço podcasts, não assisto vídeos no Youtube, às vezes acho que fiquei para trás. Em 1996 eu tinha uma coluna diária em um site – já faz 25 anos! Tive blogs, essa coisa toda. O que muita gente chama de procrastinar, eu chamo de “alimentação para a escrita” – ouço música, vejo filmes, leio livros, sem culpa.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
“Quatro Velhos” (2019) foi o que deu mais trabalho, pois eu o comecei a escrever num momento de calma e tranquilidade, com a história e a estrutura bem clara em minha mente, mas então minha vida deu uma guinada, eu descobri um melanoma, tive que fazer uma operação, aí tive problemas pessoais, uma separação, ou seja, tentava escrever em meio a um turbilhão. Na verdade, a escrita ficou estacionada quase seis meses e estava desistindo do livro. Mas aí consegui calma e apoio para termina-lo e gostei muito do resultado final. Me orgulho muito de “Elvis & Madona” (2010) por ser um livro que nasceu de um projeto pioneiro no Brasil, de livro e filme produzidos ao mesmo tempo. E por ser um livro que faz parte da primeira onda da literatura contemporânea LGBT, ajudando a abrir um caminho.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Tento sempre escrever algo diferente do livro anterior. Se me vem alguma ideia que eu já trabalhei de alguma maneira em um dos meus livros, abandono imediatamente. Quero surpreender o leitor, quero fisga-lo, quero contar uma história interessante, de maneira envolvente e que vá fazê-lo pensar em algo mais profundo do que o que está na superfície. Todo escritor é seu primeiro leitor, então quero me satisfazer primeiro, quero eu mesmo me surpreender, quero ser o primeiro a dizer “uau!”. Tenho meia dúzia de leitores em mente quando escrevo; são leitores que me acompanham e sei que são exigentes. Se tenho uma ideia para uma trama ou para alguns personagens, penso se não há algo parecido em algum lugar… Busco certa originalidade no enredo e trabalho para que a originalidade da história transpire para a originalidade da forma.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Não tenho nenhum problema em ir escrevendo e ir mostrando para pessoas, para amigos, para minha mulher… Atualmente, é minha mulher, Raquel, quem lê o que estou escrevendo – ela é crítica e dá opiniões duras.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Escrevi meu primeiro romance com 34 anos, então já sabia como boa parte das coisas funcionava. Quando escrevi meu primeiro romance não sabia que iria escrever outros – mas assim que escrevi o segundo e vi que conseguia, que era algo meio que fácil para mim, que eu tinha adquirido um certo estilo, uma certa técnica, fiz um cronograma para que escrevesse dez livros em quinze anos. Consegui. Quando comecei, já tinha amigos escritores, não tinha ilusões sobre a carreira nem nada. Como a maioria dos meus amigos, eu trabalho com jornalismo e escrevo meus livros dentro da possibilidade da vida que estabeleci para mim. Isso significa um tanto de abnegação, amar a solidão e conviver com uma paisagem mental. Para minha mulher, que é psicanalista, é um jeito de conviver com um tipo de loucura.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Eu sempre preferi livros que contam histórias de maneira direta – e gosto da catarse do sexo e da violência nas histórias. Digo que, no início, tentei fazer um mix de Rubem Fonseca e Nelson Rodrigues. Violência, sexo, perversão de cidadãos comuns, narração de um repórter policial do jornalismo marrom, Voltaire de Souza, jornal Notícias Populares. Escrevi três romances neste estilo – estão no volume “A Comédia Mundana” (2013). Podia continuar nisso, mas então quis experimentar e escrever livros diferentes. Havia feito um curso com Robert McKee – o que também me deu ideias.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Para quem quer começar a escrever, sempre recomendo que leia os autores nacionais contemporâneos – tem muita gente boa escrevendo no Brasil. Para os amigos, tenho recomendado os livros do Emmanuel Carrère e da Janet Malcolm. Um dos meus livros preferidos e que sempre recomendo é “O Enigma da Pedra”, do Jim Dodge – infelizmente fora de catálogo no Brasil.