Luisa Couto Soares é professora de Filosofia Universidade Nova de Lisboa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Todos os dias me levanto cedo, tomo o pequeno almoço, e em geral começo a trabalhar, de diferentes modos: vejo o meu e-mail, se tenho alguma coisa para responder, ou a enviar; faço alguma pesquisa do que ando a estudar ou a tentar escrever, o que me vai demorar algum tempo porque muitas vezes me perco nessas pesquisas. Outras vezes saio para uma biblioteca onde tenho mais silêncio e sossego do que em casa e me concentro melhor; ou saio para algumas compras e para dar uma volta e aproveito para pôr as ideias em ordem; alguns dias da semana vou ao ginásio à primeira hora da manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sei dizer bem… mas certamente de manhã. À noite nunca. Tentei algumas vezes ficar à noite a trabalhar e o resultado foi péssimo. No dia seguinte começo muito tarde, e não me rende nada. Prefiro dormir cedo e começar cedo. Ritual de preparação… bem acho que tenho vários… primeiro leio muito, muito, talvez demais. Acho que nunca li o suficiente, procuro sempre mais alguma coisa, cada vez encontro mais novidades, mais pormenores. Antes não era tanto assim. Também depende do que se vai escrever. Antes eu escrevia pequenos artigos para jornais. Isso, era simples. Vinha-me a ideia à cabeça, sentava-me ao computados… ou ainda antes do computador, a uma máquina de escrever, e escrevia de jato! Não tinha qualquer travão, e saía bem. As pessoas gostavam do que eu escrevia. Mas agora já não sou capaz de fazer isso. Ou isso já não me satisfaz. Depois disso passei a ter cada vez mais dificuldade a passar da pesquisa à escrita. Leio, leio e releio, tiro apontamentos, faço esquemas… tento começar e recomeçar. Até que me decido a parar de ler, pensar por minha conta em tudo o que li, e perguntar-me a mim mesma: o que é que eu quero dizer? O ritual é complicado…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias. Há dias em que não escrevo mesmo nada… Outros dias escrevo mas são coisas de rotina, por exemplo, tenho o hábito de anotar diariamente como foi o meu dia, uma espécie de diário. E notas breves. Não tenho uma meta diária. Tenho metas com prazos mais ou menos determinados, mas não uma meta diária.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente, como já disse a passagem da pesquisa à escrita é morosa e difícil. Pesquiso muito, leio muita coisa, tiro muitas notas, encho a minha cabeça de muita informação… demais. Não é fácil começar. Tenho algumas estratégias. Uma é pensar por minha conta o que me interessa verdadeiramente dizer, que ideia quero transmitir, se há algo de novo a mostrar. Depois elaborar um plano da escrita, um esquema para me organizar e facilitar o começo. Há sempre o problema da primeira frase. Há tempos li precisamente sobre um escritor que tinha esse problema da primeira frase. E decidiu, para começar um romance, sair correndo do local onde estava, num jantar elegante, que o inspirou para o seu romance, e escrever exatamente o que fez: ‘saí correndo e comecei a escrever imediatamente o que me veio à mente…’ . E assim lhe saiu a primeira frase… Foi algo assim. O importante é começar. O importante, para mim é ter na cabeça um fio condutor, para não me perder. Daí o plano de trabalho, o esquema, mesmo que depois o tenha que alterar e não o seguir à risca.
Isto para o caso de escritos mais “científicos”, mais sérios. Mas também escrevi textos mais ligeiros para jornais, revistas de poesia ou prosa poética. Esse género de escrita é completamente diferente. O processo é outro. Não recorro a leituras, nem notas. Tenho uma ideia e a prosa ou a poesia sai de um jato. Houve uma altura em que escrevi periodicamente para um jornal diário. Artigos de opinião, sobre temas muito diversificados. Esses escrevia-os com muita facilidade, e não me saiam mal. Ou alguns para uma publicação de poesia, escrevia breves textos em prosa. Ainda gosto desse tipo de escrita, mas ultimamente não tenho tido oportunidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas da escrita… bem a ansiedade, o medo de não corresponder às expectativas… depende o melhor será não colocar expectativas muito acima das próprias possibilidades ou capacidades. Se uma pessoa pretende com um livro que escreve ser prémio Nobel, e não o consegue, naturalmente sentir-se-á frustrada… Num projeto longo, se uma pessoa está sempre, no decurso desse projeto a pensar no final, no que irá acontecer, ficará super ansiosa e provavelmente não conseguirá render muito no trabalho. Há estratégias boas para dosear essas ansiedades. Uma delas é trabalhar intensamente no momento presente sem estar sempre a pensar no final, no resultado, na opinião dos outros… É um bom exercício mental, que ajuda imenso a mergulhar no trabalho e tirar o máximo rendimento. Nem sempre se consegue… mas é bom tentar. Quando fico tensa, faço esse exercício e tento meter-me a fundo no que trabalho que tenho pela frente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Revejo-os várias vezes, sobretudo se são para publicação revejo todos os pormenores tipográficos. E também os de redação. Sou um pouco perfeccionista durante a escrita. Mas depois de terminado, acabou. Faço as revisões necessárias e ponto final.
Sim, às vezes mostro a outras pessoas, se tenho alguém da especialidade que conheça bem o tema. Outras, quando são artigos para nalguma revista na qual há submissão prévia, serão avaliados antes da publicação, já conto com isso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ótima relação com a tecnologia. Já não consigo escrever sem ser ao computador. Há muitos anos que escrevo tudo ao computador. Só quando estou a ler e tiro notas, é que escrevo à mão, ou sublinho diretamente nos livros, se forem meus!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm de leituras – muitas e variadas: filosofia, literatura, poesia… às vezes coisas que ouço aqui ou ali, coisas que encontro numa livraria enfim, tudo o que vem à costa é peixe. Depois tenho que selecionar. Trago sempre comigo um bloco para apontar qualquer ideia que possa surgir na rua ou em qualquer parte. Quando tenho algum assunto em mente tenho que estar atenta a qualquer ideia que me possa surgir em qualquer momento e apontá-la. Não contam só as horas que passo a pesquisar, muitas vezes são importantes essas ideias que me vêm pelos caminhos, nos intervalos, no meio de uma conversa, etc.
Isto não quer dizer que ande sempre obcecada com os meus trabalhos, nem pensar. Tenho os meus passatempos, horas de descanso, necessito de pausas, de pensar noutras coisas. Gosto imenso policiais – filmes ou livros bons. E de música clássica, imenso!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mais exigência, mais espírito crítico, mais dificuldade em começar, curiosamente mais “travas” ou travões… Nos escritos que se destinam a publicação a a apresentações públicas. Quando releio os escritos dos primeiros tempos, curiosamente, admiro-me como consegui escrever aquilo com tanta facilidade, tanta clareza e leveza. E desejaria recuperar essa facilidade que penso ter perdido! Porquê? Não sei… Talvez por ser mais exigente, mais autocrítica, mais insegura. Depois de tanto tempo de escrita deveria ser o contrário, mas não. Uma pessoa nunca se habitua. Quer sempre mais e melhor. Pode parecer que isto contradiz tudo o que disse na resposta à questão 5. Parece que agora já não sei “lidar com as travas da escrita… etc” Não é bem isso. Reconheço que já não tenho a inocência de outros tempos, talvez seja só isso. Tenho de pensar melhor!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projeto? Gostaria de continuar a fazer o que tenho feito ultimamente: aprofundar a relação Filosofia/Literatura. A filosofia como literatura e a literatura como filosofia. Por um lado o carácter autobiográfico, o estilo, a estética literária que se encontra em alguns filósofos, por outro o pensamento expresso na escrita de muitos dos grandes autores da literatura. Nomeadamente autores dos séculos XIX/XX. É um programa a desenvolver nos próximos tempos. Já tenho alguma coisa feita, mas há um vasto campo a desbravar.
Primeiro há muitos livros que existem mesmo que ainda não li e que gostaria de ler. Livro que não exista e que gostaria de ler? Não sei… Os meus autores preferidos já morreram quase todos, por isso não posso esperar que escrevam mais algum. Gostaria de ler o próximo livro de M. Dahbrern que não o poderá escrever porque já morreu.