Luís Renato Vedovato é doutor em direito internacional pela Faculdade de Direito da USP e professor da UNICAMP e da PUC de Campinas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A rotina é implacável, mas tento fugir dela o máximo possível. Tomar café e levar as crianças na escola sempre estão no início do nosso dia aqui em casa. Também procuro – e tem dado certo nos últimos dez anos – fazer uma corrida matinal (ela também pode acontecer na hora do almoço nos meses mais frios). Relaciono a corrida com meu melhor humor. Correr me faz bem, por mais que seja estranho para muita gente que eu, com mais de 110 kg, faça isso ao menos cinco vezes por semana. Talvez eu continue correndo só para ver o espanto (totalmente justificado), misturado com incredulidade, no rosto de quem me ouve falar dos meus cinco a dez km diários.
Todavia, tirando o café, a escola e as corridas, a rotina é muito tênue. Gosto de acordar cedo e ainda tenho o projeto de fazer yoga toda manhã, tenho uma professora excelente. E se há o que sinto falta na minha rotina é de algo que nunca aconteceu, acordar sem a ajuda do despertador.
Penso que a parte boa da rotina é fazer parecer que não haverá surpresas no dia, que sempre é um mundo novo, mas aparentemente controlável, o que é uma grande ilusão impulsionada pela repetição diária de algumas pequenas tarefas. As crianças controlam, no entanto, o nosso dia-a-dia aqui em casa. São as provas deles, os trabalhos a serem entregues e as atividades do dia que vão ditar o ritmo do cotidiano. O que tem sido bem bacana por aqui, dando a impressão que fazemos parte de um todo, mais do que uma singularidade, e isso é determinante na minha escrita também.
Depois que a rotina está feita, parece que o trabalho conjunto termina e daí posso fazer algo que é só incumbência minha. Normalmente, o que faço só para mim é a escrita. Sempre tenho mais vontade de escrever quando tomo consciência dos afazeres diários cumpridos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para responder a essa pergunta, estou imaginando que o trabalho esteja relacionado à escrita, certo? Digo isso por gostar muito de ser professor e advogado. Daí, tenho bastante tempo para o trabalho, mas nem tanto para a escrita especificamente. Nesse sentido, eu diria que eu me sinto bem a toda hora trabalhando como professor e advogado, talvez não me sentisse nada bem se fosse médico.
Com relação à escrita, que é um trabalho que me faz bem, mas exige que eu esteja bem internamente, sinto-me melhor trabalhando pela manhã. O privilégio de poder escolher quando o fazer, porém, eu não tenho. Trabalho quando preciso e posso passar a noite escrevendo, por mais que isso não seja recomendado.
Essa sensação melhor para escrever depende daquilo que vai ser pauta do texto. Se o objeto é acadêmico, como um artigo científico, uma tese ou uma resenha, só tenho tranquilidade para escrever depois que li muito sobre o tema. É certo que a escrita acadêmica é mais dura, pois as referências são uma constante e uma exigência, por isso busco ter tudo à mão quando estou escrevendo textos assim. Os livros que usei como base, os artigos que vou citar, os textos que me inspiraram, enfim, tudo que preciso deve estar por perto, bem ali, nunca se sabe quando será necessário citar a página do texto.
Escrever ficção é mais libertador. Especialmente quando se compara com a escrita de artigos para revistas científicas. Na ficção, não é necessário citar nada. E pode se criar livremente. A experiência com contos e romances é gratificante para mim. Há, porém, um desafio nesse tipo de escrita: dificilmente se quer parar. Eu quero saber o que vai acontecer e continuo escrevendo. Dessa forma, na medida do possível, só me permito escrever ficção nas férias, salvo se for inevitável. A ideia vem e não tem como parar de escrever. Para minha sorte, as ideias são raras.
O ritual tem mais relação com esforço que com inspiração. Eu procuro escrever como se estivesse treinando fisicamente. Nunca fica bom na primeira vez, tenho que ler, corrigir, reescrever, corrigir novamente, descartar tudo e começar do zero ou fazer acertos durante o caminho da escrita. Por isso, digo que o ritual é o treino e o melhor treino é o que é feito. Confio no empenho constante, pois nunca vi uma fórmula mágica que funcionasse. Se tivesse que identificar algo que mudou minha escrita nos últimos tempos, eu diria que foi a meditação. Meditar me permite fazer as ideias ficarem livres. Aprendi a meditar com o yoga e não quero parar nunca mais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A minha escrita é muito diluída durante a semana. Não sou muito disciplinado para escrever com metas, nem mesmo diárias. O marcante para mim é superar as demandas diárias. Se eu consigo fazer todos os afazeres acadêmicos, como aulas, correções e atividades administrativas, ou os do escritório, como petições, pareceres e memorandos, eu tenho condições de escrever de forma mais fluida. Assim, o tempo é a tranquilidade da mente. Escrevo sempre que a mente está tranquila, talvez essa seja minha meta.
Como a vida moderna não é contemplativa, a escrita precisa conviver com essas vicissitudes e a oportunidade pode ser uma efeméride a ser aproveitada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é sempre difícil. Costumo comparar a escrita com a força de atrito, a estática sempre é maior que a força de atrito dinâmica. Colocar para andar é sempre mais difícil que continuar. Meu processo de escrita é bastante inconstante. Preciso ter um impulso que nasce de uma inquietude interna ou o testemunho de uma situação com a qual não concordo.
Depois que sou provocado por mim mesmo, passo a levantar o material, que é seguido pela leitura (a parte que mais gosto de fazer) e, por fim, depois de organizar tudo que preciso, vou escrever. O movimento entre pesquisa e escrita, no entanto, nem sempre é como eu quero. Já escrevi no meio do levantamento bibliográfico e já parei a escrita para buscar mais fontes.
Na ficção, as coisas andam mais rapidamente, o que é difícil é a escolha das palavras, uma luta interna constante.
Assim, eu tenho um processo de escrita que pode ser definido como inconstante e aleatório, mas com um treinamento incessante. Procuro ler muito para aprender estilos, aprimorar pensamentos e ter visões diferentes. Para mim, o processo de escrita começa com a leitura e nunca se afasta dela. Ler é a essência da escrita, até para quem não escreve, mas liberta a imaginação nas páginas já escritas, aprimorando-as mentalmente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
São muito comuns. Tudo acontece muito mesmo. Mas eu tenho expectativas tranquilas com relação a mim. Aliás, só me permito escrever quando estou tranquilo e em paz. Daí, tudo flui melhor. Prazos, cobranças, expectativas e resultados. As coisas acabam funcionando. Certa vez ouvi que a melhor escrita é a que é feita. Em outras palavras, quem trabalha com a escrita, como é meu caso, não pode se dar o luxo de querer ser um Philip Roth ou um Machado de Assis. Sou apenas mais um operário da escrita. Percorro os passos e busco fortalecer o meu texto contornando minhas dificuldades e minhas fraquezas. Para isso, busco fazer o caminho mais seguro para passar a mensagem que precisa ser passada. Logo, a escrita, para mim, tem que ser honesta e clara. Cobrar-se somente nesses quesitos faz tudo ficar bem e no campo da serenidade, afastando as angústias e a ansiedade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão dos trabalhos é (e tem que ser) exaustiva. São muitas revisões, pedidos de opinião e reescrita. Sempre que possível mostro meus trabalhos e peço opiniões de outras pessoas. Esse procedimento é muito bom para mim. Consigo ver o que não percebi antes e é possível melhorar o trabalho muitas vezes.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu sou da geração que tinha máquina de escrever como um bem desejado. Aprendi datilografia e fui escrevente do Tribunal de Justiça de São Paulo por muito tempo durante a graduação em Direito. Apesar da idade, eu me dou bem com os computadores e a tecnologia. Sempre escrevo direto no computador, que é um grande amigo de lamentos, ele sabe muito dos meus segredos e dos meus erros. Hoje em dia, nem tenho tanta facilidade de escrever à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Hoje em dia, a meditação é fundamental para mim. Daí, surgem as ideias para tudo. Na verdade, não sei se ela é boa mesmo ou se ela simplesmente me permite ser mais condescendente com meus erros ou não perceber que as ideias que tenho são ruins. Mas não me vejo sem meia hora de meditação diariamente.
Ler é outra mina de ideias. É algo que nunca paro de fazer, o que deve ser outra fonte de criatividade, que penso ser muito limitada em mim, apesar do esforço que tento fazer constantemente para criar. Sempre me sinto mais como um coadjuvante que como num papel de destaque. O esforço é sempre necessário, pois qualquer deslize para o coadjuvante o faz perder a possibilidade de estar no próximo filme, mesmo que só para constar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Difícil identificar, mas a maturidade (hoje tenho 45 anos) é algo que faz com que mudemos muito. Eu mudei muito depois dos 35 anos. O que me fez me alterar significativamente foram os exercícios físicos (sim, não se espantem, eu me exercito) e a meditação. Escrever passou a ser mais natural para mim.
Tem tanta coisa que eu poderia dizer para mim na época da minha tese! Mas acho que, se pudesse, não diria nada. Ela é fruto de um momento da minha vida e é importante que tenha sido assim. Se fosse forçado a dizer algo, diria para continuar exatamente da forma que estava escrevendo. Assim, poderia dizer que evoluí com o tempo, ou ao menos ter a esperança de que evoluí (já disse, minhas expectativas são baixas).
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Os projetos são muitos. Hoje eu só sei que quero escrever e muito. Minha vontade sempre é maior quando penso em escrever ficção, mas quero escrever muita coisa no Direito também.
Eu sempre quero ler um livro novo. O lançamento, o clássico, aquele que me faz rir, chorar, ter medo, enfim, parafraseando Vinícius de Moraes, eu quero o livro que passa.