Luís Henrique Pellanda é escritor e jornalista, autor de Detetive à deriva, Asa de sereia e Nós passaremos em branco.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Levanto entre as cinco e as seis horas. Procuro ler neste horário, até as sete, quando minhas filhas acordam. Depois disso, tenho uma rotina normal de trabalhador doméstico. Me encarrego da logística das crianças e do serviço da casa. No máximo, tenho tempo para responder mensagens de trabalho. Depois do almoço, a partir das duas, é que fico sozinho, isso até as cinco ou seis da tarde. É quando posso e devo escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho quando surge a oportunidade. Se pela manhã for possível, escrevo. À tarde, sou obrigado a escrever (e a dividir esse tempo com minhas idas ao banco, ao correio, ao cartório, ao mercado). À noite, quando minha mulher chega do trabalho, tento produzir mais alguma coisa. Só não tenho conseguido escrever de madrugada, quando preciso dormir. Para escrever, não tenho nenhum ritual.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meta, não tenho. Mas tenho prazos. Sou cronista desde 2009 e já tinha certo treino de redação em jornal. Lá, eu escrevia de olho no fechamento. No fim sempre dá certo. Já escrevi e publiquei cerca de 500 crônicas. Cada crônica me toma de dois a três dias de trabalho, entre concepção, elaboração, redação, edição e revisão de texto. Quando escrevo contos é diferente. Há períodos, sim, de maior concentração de esforço. Mas nada que se pareça com uma meta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tomo notas. Costumo elaborar minhas narrativas enquanto caminho pela rua, levando as crianças para a escola. Mas posso fazer isso quando estou lavando a louça, fazendo o almoço, tomando banho ou me preparando para dormir. Se a ideia for boa, não a esqueço. Meu tempo é curto e preciso aproveitá-lo (também trabalho como jornalista, mediador e professor de oficinas literárias). Para começar a escrever, não sinto dificuldade alguma, e nunca parto de pesquisas. No máximo, consulto a biblioteca de casa, para tirar dúvidas em relação a algum assunto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca tive travas para escrever. Quer dizer, não há nada que tecnicamente me bloqueie. Acho que o exercício prolongado da crônica literária nos dá certa segurança acerca do que precisa ser feito: sentar e escrever. Não me considero um procrastinador, embora nunca trabalhe com textos de gaveta. O cronista precisa produzir para o dia seguinte. Ou seja: precisa deixar para a última hora. Quanto à ansiedade, sou ansioso em relação a qualquer projeto, longo, médio ou curto. Tudo que escrevo, escrevo sob a influência da ansiedade. A ideia de que uma única frase pode estragar um texto me obceca. Não acho isso de todo ruim. Às vezes levanto durante a madrugada só para substituir uma palavra por outra. Deixo o computador ligado. Estranhamente, me sinto bem, e quase alegre, fazendo isso. Mas volto para a cama.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei se é possível, hoje, contar quantas vezes revisamos um trabalho. De minha parte, enquanto não envio meus textos para o jornal, a revista ou a editora, estou sempre trabalhando neles, reabrindo os arquivos, relendo o que escrevi e reescrevi, e geralmente em voz alta. Só mostro o que escrevo para a minha mulher, não sinto necessidade de outra opinião. Acho, inclusive, que ouvir outros autores inviabilizaria o processo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo à mão, em cadernos baratos, sem pauta. Escrevo em qualquer lugar, por isso sempre levo um caderno comigo, na mochila. Escrevia à caneta, mas hoje escrevo à lápis. Depois que começo, não paro até dar por encerrado o primeiro rascunho. É rápido. Estruturalmente, o texto já nasce pronto, do parágrafo de abertura ao de encerramento. Tudo de essencial já está nesse borrão. Prefiro começar no papel para evitar a tentação da tela luminosa, que estimula as edições precoces. O computador amacia o trabalho de escrita, e às vezes nos faz perder tempo demais com miudezas, num primeiro ou num segundo parágrafo. Melhor avançar até o fim e só depois transcrever o resultado para o computador. A partir daí é que me entrego aos detalhes, às revisões sem fim.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei direito de onde elas vêm, mas sei que, de onde veio uma, virão outras. Vida, memória, leitura, trabalho. São essas as fontes. Acho que, para mantê-las em ordem, basta participar do mundo. Não achar que já entendeu tudo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Há uma diferença fundamental entre o escritor que eu era e o que sou hoje. O que sou hoje tem leitores. O que eu era não tinha ninguém. Um narrador precisa de um narratário. Quanto ao que o escritor que sou diria ao escritor que já fui, não sei. Só sei que não seria um conselho, e muito menos uma lição de sabedoria.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos na mesa, alguns já começados. Mas não gosto de falar deles, prefiro realizá-los primeiro. São livros que eu gostaria de escrever, mas que ainda não existem. Por isso, pode-se prescindir deles. Quero ler o que existe.