Luís Dill é escritor e jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em dias úteis começo meus dias às 5h. Colocar roupa, tomar café e sair para o trabalho, na rádio FM Cultura de Porto Alegre. Feriados e finais de semana também acordo cedo, 5h30, 6h e aproveito a manhã para trabalhar no que estou escrevendo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor pela manhã, sem dúvida. Mas em função da minha atividade como jornalista jamais me dei ao luxo de ter alguma mania ou ritual. Escrevo no tempo que tiver disponível. Pouco importa o horário ou o local. Claro, o ideal é na minha casa, pela manhã e com silêncio. Só que nem sempre é possível.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Infelizmente não consigo manter uma rotina. Muito em função do trabalho como jornalista e dos compromissos próprios do ofício de escritor, como bate-papos com alunos e professores, participações em feira do livro etc. Dessa forma, fica difícil estabelecer metas. O que procuro é escrever e reescrever todos os dias, mesmo que apenas pequenos trechos. A situação se altera um pouco quando tenho uma encomenda, aí, sim, procuro traçar metas diárias, mil palavras por dia, por exemplo, embora nem sempre seja possível alcançar o volume proposto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo ideal parte da ideia. Depois vem a pesquisa, o planejamento. Só então começo a escrever. Ocorre que nem sempre sigo tais etapas. Lembro do Antonio Carlos Viana. Ele dizia que muitas vezes a fagulha era uma frase solta e, a partir dela, iniciava a escrita e descobria para onde a história se encaminhava. São maneiras possíveis. Se é difícil começar? Não. Às vezes fico em busca da abertura perfeita. Quando ela não aparece, paro de me preocupar e inicio. Depois, na fase da reescrita, tudo se ajeita. Quanto à transição da pesquisa para a escrita, vejo como um passo natural. Quanto mais aprofundo a pesquisa mais tranquilo fica todo o processo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sei se tenho essas travas. Só não escrevo em caso de impossibilidade mesmo ou se resolvo me dar folga por não estar envolvido em nenhum projeto (o que é bem raro). Não corresponder às expectativas é uma possibilidade real. E falo de minha expectativa, não a dos outros. Meu material precisa me satisfazer cem por cento. Se eu não alcançar esse objetivo é só começar de novo. Se a ansiedade aparecer basta sufocá-la com boas doses de trabalho. Importante dizer que a pressa pode danificar uma história com potencial. Estou trabalhando há quatro anos em um romance. Foram dois anos escrevendo e, até o momento, mais dois anos reescrevendo-o. E é bem provável que precise de mais outro ano até finalizá-lo. Dedicação é uma das principais ferramentas do ofício.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso até ficar satisfeito. Quatro, cinco, nove, dez vezes. Um detalhe: gosto de dar intervalos entre as correções, iniciar novas histórias. Toda vez que retorno acabo descobrindo pontos da narrativa que podem ser aperfeiçoados. Sim, às vezes, mostro meus originais a amigos. Minha mulher é sempre a primeira a ler.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro tecnologia, embora não me dedique muito a ela. Sei o básico. Comecei escrevendo à mão em cadernos, depois passei para a máquina de escrever e cheguei ao computador. (O que virá a seguir?) Já aconteceu de estar em viagem, sem acesso a nenhum tipo de tecnologia. Aí consegui papel de rascunho e caneta. Pronto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias podem vir de qualquer lugar, basta eu estar atento. Não acho que ter ideias seja um dom. É trabalho. É olhar para uma pedra sobre a calçada e começar a se perguntar por que ela está ali, se foi deixada por alguém, quem é tal pessoa, etc. Além desse exercício, a leitura é ótima fonte de ideias. E quando digo leitura, falo de bula de remédio, panfleto de rua, grandes clássicos da literatura universal, jornais e por aí vai.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Em 2020 completo 30 anos de carreira como escritor. Observo como principal mudança, de 1990 para cá, uma busca mais profunda pela frase exata, pela palavra fundamental. O ato de reescrever tornou-se tarefa mais obstinada. Se eu pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos diria a mim mesmo para ler e estudar mais. Mas aqui é importante um alerta: meu primeiro livro, A caverna dos diamantes, de 1990, ainda está no mercado depois desse tempo todo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos que gostaria de iniciar, mas ainda não os realizei por falta de tempo. Como são muitos projetos, é preciso se concentrar em um apenas e começar. Como disse, o trabalho pode demorar anos. A história brasileira possui muitos episódios que renderiam prosa e verso. E não falo apenas de episódios de conhecimento público. Falo de casos que desconheço.