Luís Augusto Farinatti publicou “Verão no fim do mundo”, livro de contos, pelo selo Modelo de Nuvem da Editora Belas Letras.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Seria bonito dizer que mantenho uma rotina diária, que escrevo ficção diariamente, sempre pela manhã, como muitos conseguem fazer. Contudo, no meu caso, não seria verdade. Devo equacionar a escrita com o trabalho como professor universitário. Assim, meu processo criativo precisa se adequar a essas circunstâncias. A dedicação ao projeto literário em desenvolvimento se dá de modo heterogêneo ao longo da semana e ao longo dos períodos do ano. Nessa situação, acho difícil ter metas diárias de escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Parto de uma ideia inicial que pode ter ficado comigo por anos ou apenas por alguns instantes (falo dela em outra resposta, adiante). No caso do conto, organizo um plano genérico da estrutura que sempre contém o final. Só então escrevo uma primeira versão. Essa é a matéria-prima do trabalho todo. O que acontece muitas vezes é que, no processo de reescrita, experimento variações de estilo, da estrutura do enredo, de voz narrativa, às vezes até de personagens. Em alguns casos, a história permanece quase inalterada, apenas admitindo polimento da linguagem, limpeza do texto e coisas do gênero. Porém, eu outras vezes, sinto necessidade de mudanças estruturais. Isso faz com que minha pasta de arquivos tenha duas, cinco, nove versões do mesmo conto. Já me aconteceu (e acredito que ocorre com muitos) de quebrar duas histórias e misturá-las para ver no que dá. No livro que publiquei em 2018 (“Verão no Fim do Mundo”, Selo Modelo de Nuvem da Editora Belas Letras), há um conto que deriva desse procedimento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Escrevi dois livros de contos. O primeiro deles eu não publiquei porque me amarrei, tropecei nas próprias pernas. Hoje, relendo o livro, acho que não tem mais sentido publicá-lo porque pertence a outro momento. Depois disso, acho que aprendi. O livro que publiquei em 2018 foi organizado, escrito e ficou pronto em dois anos, embora três dos contos venham de histórias nas quais eu trabalhava há mais de uma década. Neste ponto, creio que ganhei com minha experiência com textos acadêmicos (como produtor e orientador de teses). Consegui finalmente transpor para a literatura a ideia de que chega uma hora em que é preciso publicar. Sempre achamos que o texto pode ficar melhor, que ele não reflete tudo que desejaríamos. Foi um aprendizado artístico e pessoal entender que, sim, aqueles são meus limites como escritor naquele momento.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sobre a questão da revisão, creio que já escrevi nas respostas anteriores. Quanto a mostrar a outras pessoas, acho isso imprescindível. Tenho alguns leitores a quem submeto os textos (de um a quatro, dependendo da situação e da oportunidade). São, todos, escritores e leitores que respeito. Também acho interessante que seja mais de uma. É muito útil para mim comparar as impressões delas e, a partir daí, refletir sobre o meu trabalho. São umas santas pessoas. Sou imensamente grato a elas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quando comecei, escrevia a primeira versão dos textos ficcionais à mão. Hoje, porém, escrevo sempre no computador, sejam as versões dos textos, sejam simples pensamentos e ideias a respeito do que estou escrevendo ou que ainda vou construir. À mão, apenas tomo notas eventuais, quando estou fora de casa.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Muitos escritores referem que suas histórias vêm de um vislumbre, um reconhecimento de algo que precisa ser contado, ainda que a maior parte da história esteja nebulosa no início. Comigo ocorre o mesmo. Esse momento quase intuitivo pode ser disparado por fatores muito diferentes. Alguns dos meus contos vêm de cenas que assisti na rua, protagonizadas por completos estranhos. Há enredos ou personagens que derivam de histórias contadas por amigos ou familiares. Além da própria literatura, é claro, outros tipos de arte (a música e a pintura, por exemplo), transpostas para a escrita, podem servir de inspiração. Os documentos do passado a que tenho acesso em minha atividade como historiador também podem legar enredos e personagens. Contudo, há algo importante aqui: venha de onde vier, é preciso que o elemento desencadeador me provoque algum tipo de emoção. Já tentei escrever sobre situações ou casos que me parecem racionalmente interessantes, mas com os quais não consegui me envolver emocionalmente. A coisa simplesmente não andou. Comecei, insisti, mas lá pelas tantas acabei largando o projeto porque me soava falso.
Aquela sensação inicial, aquele impulso pode ficar comigo por um tempo variável, até que seja inevitável começar a escrever sobre ele. Desde que me sento para escrever, então, vêm as questões do planejamento, da estrutura, da escrita de fato e de reorganização e polimento do texto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como referi antes, precisei construir um longo caminho até deixar de lado um exagero de auto-exigência que, como me disse uma vez um grande mestre, pode ser paralisante. E de fato foi. Claro que a reescrita é um processo imprescindível para mim, mas agora a publicação está sempre no horizonte.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre fui refratário a escrever qualquer trama que se passasse fora do tempo presente, ou ao menos fora de um tempo que pudesse ser lembrado por uma pessoa viva hoje em dia. Isso tem tudo a ver com minha atividade como historiador. Tinha receio de que o historiador amarrasse o escritor, de que eu me exigisse um exagero de precisão histórica que retirasse a fluência necessária para a criação ficcional. Porém, isso está mudando. No momento, começo a pensar em um projeto que envolve uma trama que se passa em outro tempo. É um desafio, mas tenho me divertido em pensar nele. Veremos como andará.