Luigi Paolo é músico, diretor e dramaturgo, criador do Coletivo Pandemônio de Artes.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Existe uma rotina matinal, mas seria injusto chamar de “minha” uma vez que é coordenada pelo Lemmy, meu cachorro, o qual tem horários incrivelmente rígidos. Antes mesmo de um possível café da manhã, fazemos um passeio longo, que dura em média 30 minutos – que varia bastante dependendo da quantidade de pessoas conhecidas que ele encontra pelo caminho (ele é muito mais popular que eu). Voltamos para casa, café da manhã para todos e só aí partimos para as surpresas do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou uma pessoa da madrugada. Começo a engatar mesmo depois das 22:00. Não sigo exatamente um ritual, mas há uma preparação involuntária, que normalmente é ter algo por perto para beber e música. De café a cerveja – dependendo do dia da semana, é importante ter algo por perto para beber, e sempre escrevo escutando música. Com este ambiente pronto, começo a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, mas nem sempre em um mesmo projeto e nem existe um horário ou meta pré-determinada – salvo alguma matéria, crítica ou crônica que tenha que ser entregue até o fechamento de uma publicação.
Na dramaturgia procuro terminar uma cena que iniciei, mesmo que não tenha exatamente o desfecho ideal, mas o fechamento dessa ideia é importante para mim, ainda que vá revisá-la outro dia. Se eu comecei a cena, termino. Não é uma meta, mas é praticamente um compromisso.
Já a escrita musical – não apenas da música, mas também das letras – o processo é todo mais complexo. Nestes casos, os períodos são concentrados, mas não determinados. Mesmo em uma trilha sonora para uma peça ou filme – onde normalmente há uma indicação do diretor – é necessário um período de ambientação ao tema proposto, para o início de uma escrita apurada com o projeto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para mim é difícil não começar mesmo com notas insuficientes. Prefiro descarregar todas as ideias, mesmo que precise revisar tudo depois com o avançar das pesquisas. Não quero perder o momento: na menor fagulha, coloco fogo. Nestes casos, o processo de escrita é febril, não tem hora para acabar, é praticamente psicografado. Uma ideia vai se ligando a outra que muitas vezes vai surgindo na escrita e não foi premeditada. Vez ou outra, preciso parar para buscar uma referência, mas se a escrita ela acontecendo, vou até as ideias acabarem.
Porém em textos encomendados, com prazos determinados, o processo é completamente o oposto. Faço uma larga pesquisa antes de começar, mas assim que junto material suficiente, começo a escrita e vou incrementando conforme a pesquisa vai se desenvolvendo. Neste processo, por vezes tenho que reescrever trechos inteiros, dependendo da relevância do que for encontrado na pesquisa, assim como acontecem com os “textos livres”.
Em ambos os casos, uma vez iniciada a escrita, procuro dividir a ideia principal em blocos – como um “kanban” mental (e as vezes físico) – de como ela será desenvolvida. Desta maneira consigo me aprofundar na história de uma personagem, ou de um tema específico dentro da obra – vale para a música também. Dentro deste exemplo do kanban, é como se existissem 3 colunas: “pesquisa”, “desenvolvimento” e “obra”. Assim, pego um item da primeira coluna, desenvolvo a ideia sobre ele e insiro na obra. Parece metódico – e na verdade, é – mas é algo bem flexível. Muitas ideias desenvolvidas depois se mostram não funcionar no todo, e algumas são guardadas para serem usadas em outro momento ou outra obra. No caso da música isto é ainda mais frequente, mas na dramaturgia, ando utilizando isso de forma recorrente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando travo, aceito. Entendo como um sinal de que algo na minha relação com o texto não vai bem. Pode ser causado por um elemento externo, mas, ainda assim, vou procurar nesta relação o interesse para seguir em frente. Se posso me dar ao luxo de ganhar alguns dias, deixo o texto de lado, vou ler ou assistir outras coisas, fazer outras atividades e esquecê-lo um pouco. Normalmente volto renovado deste pequeno recesso e tudo caminha como antes. Se isto não for o suficiente, provavelmente meu coração não está ali. Acontece. A quantidade de textos abandonados que tenho é imensa, mas eles ainda esperam uma chance de reconciliação. Alguns nunca verão a cor do dia (ainda não encontrei meu Max Brod), mas outros, com olhos descansados, provavelmente ganharão nova chance. Mesmo que sejam completamente reescritos.
Mas há os casos onde o trabalho é encomendado, existe prazo e travar é um luxo proibido. Nestes casos, forço a escrita, escrevo todos os dias, e muitas vezes, escrevo uma mesma ideia de forma diferente para depois escolher o que ficou melhor. Vira um trabalho de edição, praticamente. Por vezes, o resultado não será um texto memorável, mas na maior parte das vezes o resultado é muito bem recebido.
A procrastinação acontece, a meu ver, pela falta de relação com o texto. Quando o texto mexe com você, dormimos e acordamos pensando ele, o texto nos move.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não é uma conta exata, mas são muitas vezes. Tantas que em um determinado momento é melhor deixar o texto ir. Desapegar dele, senão reescrevo um milhão de vezes. O considero pronto e a partir daí, não é mais meu.
Minha esposa Patrícia é quem mais lê as primeiras versões de meus textos. Por vezes mando para outros (poucos) amigos dramaturgos e escritores, mas depende do projeto. Com alguns, crio uma relação íntima, e acabo só mostrando quando pronto, praticamente publicado. Não sei como nasce essa relação, não existe um critério, mas alguns textos estão com seus ciclos fechados.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha primeira formação é na área de tecnologia, como analista de sistemas, então minha relação com a tecnologia é bem íntima. Apenas anotações rápidas são feitas à mão, mas assim que possível já organizo em alguma ferramenta como o “Evernote” ou o “OneNote”. Nesta ferramenta, crio uma nota com todas as anotações e ideias relativas ao texto, como um repositório. Já para a elaboração do texto, faço diretamente no computador, mas normalmente não uso os processadores de texto padrão, como o “Word”. Gosto de ferramentas específicas para a criação dramaturgia ou de roteiros. Por muito tempo utilizei o “Final Draft”, e hoje em dia gosto muito da versatilidade do “Scrivener” – onde inclusive existe uma área para repositório de notas, como nas ferramentas que comentei. Até na utilização do “kanban” citado anteriormente uso uma ferramenta chamada “Trello” – que também é conhecida como “Taskwork”.
Também uso o “Dropbox” e o “OneDrive” para o repositório de textos. Tudo é salvo na nuvem, desta maneira, onde eu tiver, posso acessar e editar o texto. Como uso PC e Mac, tenho uma versão do “Scrivener” para cada plataforma.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A maior parte das minhas ideias são de experiências, medos e reflexões pessoais, mas também já fiz adaptações de outras obras de autores renomados. Um exemplo foi a peça “Ausländer”, escrita a partir do texto “O Estrangeiro”, do Albert Camus – mas ainda assim, havia um interesse pelo existencialismo, onde aproveitei para explorar e refletir sobre o assunto que me atravessava no momento.
Para me manter criativo, acho que a receita é universal: Livros, teatro, cinema, exposições, música, enfim, tudo que me sensibilize, que me faça pensar e até que me incomode. Vou ao teatro pelo menos três vezes ao mês. Procuro ler, assistir e escutar de tudo, do contemporâneo ao clássico.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que meu olhar sobre tudo mudou, o que atinge diretamente a escrita. Buscar todos os lados de uma história, não ter nenhuma conclusão que não possa ser alterada, não ter “verdades absolutas”. Talvez este fosse meu principal conselho para meu “eu” dos primeiros textos. Comecei com muitas certezas, e hoje coleciono dúvidas. Aprendi que o importante não é ter todas as respostas, e sim fazer as perguntas certas. São as perguntas que dão os movimentos aos textos, que estimulam conhecer novos assuntos, que causam as sinapses. Além disso, sou metódico, como comentei. Comecei desorganizado, na gana da escrita, sem muito planejamento. Hoje entendo como o planejamento é importante, e a organização das ideias é algo determinante para a qualidade do texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu próximo projeto. E se me perguntarem a mesma coisa ano que vem, a resposta será a mesma. Sempre terei na cabeça um próximo projeto que ainda não comecei, mas mentalmente já se estrutura na minha cabeça e já estou desesperado para colocar em prática.
Já o livro que eu gostaria de ler, e ainda não existe, é a história de vida da minha mãe – a qual acho fascinante. É uma falha minha, pois por muitas vezes conversamos sobre isso, e é algo que realmente quero fazer – mas ainda não comecei. Quem sabe este seja meu próximo projeto.