Lucrecia Zappi é escritora, autora de Acre.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho sim, tento escrever todos os dias de manhã, e de preferência bem cedo porque é geralmente quando estou mais descansada e há menos distrações, muitas vezes provocadas por mim mesma: a ideia de que as pessoas ainda estejam dormindo é um alívio para mim, assim não caio na tentação de começar a telefonar para o mundo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Diria que meu ritual é olhar para o relógio, planejando quanto tempo vou ficar ali. Não sou de esperar a inspiração aparecer. Acho que ela vem justamente quando estou no momento mais difícil da criação, quando de repente as coisas começam a fazer sentido, a se encaixar no texto, então bate aquele alívio, aquela sensação de liberdade e felicidade, por mais breves que sejam.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sim, a ideia é escrever todos os dias, mesmo aos sábados e domingos, nem que seja dar aquela espiada no texto, repensar um parágrafo. Tento alcançar uma meta, o problema é quando a gente apaga alguns trechos, daí eu perco um pouco a conta do número de páginas almejado. O importante é escrever e pronto. Não acredito em excesso de preparação. É sentar e escrever. E escrever sempre será um processo solitário, que exige disciplina.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acumulei muitas notas para este meu terceiro romance, além de uma pesquisa mais pontual na forma de entrevistas. Um processo muito diferente de quando escrevi Acre, onde me guiei por, digamos, “memórias sentimentais” do narrador. Pesquisa é importante, assim como não deixar transparecer durante a leitura. Não tem coisa mais chata do que a voz do escritor cruzar a leitura dando aula sobre o assunto que trata.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não escrevo preocupada em corresponder a alguma expectativa externa, até porque ela nem existe! Acho que a questão aqui é aceitar que a coisa não vai sair como eu esperava porque o texto sempre se transforma, os desvios vão surgindo e se enraizando, levantando superfícies antes intocadas, e depois pelos olhos do leitor. É por isso que não ignoro os acidentes, os desvios súbitos em um texto. Um relato vai se tecendo passo a passo, mas aos tropeços.
Por outro lado, se um texto flui com muita facilidade, provavelmente vou desconfiar, vou sentir que estou no caminho errado. Claro que ele não pode ser impossível de manejar, mas acredito que as escolhas são críticas. No meu caso, cada palavra ou frase é contemplada com o rigor de quem observa a luz tentando adivinhar exatamente em que momento do dia se está. E só vou saber se a coisa funciona mesmo quando está colocada no papel. Sei que não é fácil admitir que a escolha feita não foi ideal, mas para que seja pelo menos reconhecida, tem que estar no papel. Daí a importância de escrever sempre.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso bastante. Duvido o tempo todo do texto. Se releio uma frase e percebo que ela não cabe ali, eu mudo de lugar, daí mudo a frase, vou recalibrando até achar o tom. Sobre mostrar para os outros, minha mãe é a minha primeira leitora por ser a melhor crítica.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tomo notas à mão, escrevo no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De qualquer lugar. Isso vem de escutar a conversa alheia, mesmo. Seja no ônibus, no boteco ou em uma fila de banco. Converso com todo tipo de gente e observo as contradições, as estranhezas da vida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria para ter mais paciência durante a afinação do texto e ler mais. E criar o hábito de ter boa postura e levantar mais da cadeira a cada tanto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever uma ópera a quatro mãos com meu filho, que é compositor. Não sei bem qual livro gostaria de ler que não existe, talvez o Ulisses da Odisseia reembarcando em uma próxima viagem?