Lucília Garcez é professora aposentada do Instituto de Letras da Universidade de Brasília, autora de “A escrita e o outro” (EDUnB, 1998).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre começo o meu dia lendo os jornais. Faço palavras cruzadas para manter a mente alerta para a linguagem (RSRS). Como tenho um belo jardim, fico algum tempo no sol repensando meus projetos e procurando novas ideias. Volto para meu escritório e releio tudo o que escrevi no texto que estou produzindo. Imprimo tudo e faço revisões com uma caneta colorida. Volto para o computador e incluo as alterações. E tento avançar na história ampliando o texto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre me sinto mais criativas pela manhã. Mas minha rotina é meu único ritual. Não tenho nenhum tipo de “mandinga” para atrair a inspiração Aliás, penso que a inspiração vem com o trabalho, com a disposição de escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, às vezes fico dias sem escrever. Nesse tempo faço pesquisas, leio muito, anoto ideias novas. De repente tenho um surto de produção e passo muitos dias escrevendo e revisando sem parar. Muitas vezes me levanto da cama muito cedo, de madrugada, e mesmo antes de tomar café começo a trabalhar Algumas ideias vêm durante a noite e é preciso aproveitá-las antes que se percam no esquecimento.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começo com uma ideia básica, um resumo pequeno da história. Então faço um rascunho das ideias principais. Recomeço ampliando cada parte da história e caprichando no estilo. Incluo mais detalhes, acrescento frases, elimino trechos, substituo palavras, altero a posição de parágrafos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Às vezes faço uma pausa no trabalho e dias depois volto a escrever. Acho natural lidar eventualmente com todos esses sentimentos de angústia durante o processo criativo. Mas o trabalho é sempre estimulante e me encoraja a continuar. Há sempre uma vontade de superar qualquer entrave, de deixar os medos e as preocupações de lado para curtir o prazer de escrever sem compromisso com o sucesso, com prazos, com altas expectativas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu perco a conta de quantas vezes eu reviso porque todos os dias, antes de começar a escrever, releio tudo e faço alterações. É um recurso para evitar contradições, equívocos, incoerências e assegurar a continuidade verossímil.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço algumas anotações, imprimo pesquisas da internet, anoto trechos de livros à mão. Mas a escrita do texto propriamente dita é sempre direto no computador. Os recursos do word facilitam muito, pois com um clic podemos alterar o texto, corrigir, eliminar partes, incluir trechos. Isso era impossível quando usávamos a máquina de escrever Era preciso começar uma nova página quando queríamos fazer alguma alteração.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sou uma leitora voraz, leio todos os dias. Adoro poesia. Faço parte de dois clubes de leitura de romances. A leitura é imprescindível para a busca de temas. As ideias são resultado da observação, da imaginação, da pesquisa, da memória. Tudo junto e misturado faz com que uma pequena ideia inicial se transforme num texto maior. Quando escrevi Outono empreendi uma profunda pesquisa sobre os anos da ditadura. Cada episódio me sugeria um trecho d enredo. Em todo pequeno acontecimento há uma história escondida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O exercício da escrita aprimora a própria escrita. Quanto mais escrevemos mais dominamos os segredos da criação literária. Fui ficando mais habilidosa, mais exigente, mais cuidadosa com a seleção do vocabulário, com a construção das frases, com a estruturação da história e com a elaboração dos personagens.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muita admiração por Marguerite Duras e gostaria de escrever um romance psicológico como os dela. Aprofundar na psicologia dos personagens é uma aventura muito difícil e desafiadora. Quem sabe um dia eu consiga enveredar por esse caminho? Há tantos livros ainda para ler (biografias, romances históricos, poesia, novelas, contos, peças de teatro…) que nunca pensei em um que ainda não existe.